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Parceria

Aprendizado chileno?

Por Eduardo Barbabela e João Feres Jr.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, chega ao Congresso para reunião com parlamentares do bloco Vanguarda no Senado (DEM/PL/PSC).

Não é segredo o papel de destaque que o Chile tem no projeto de reformas econômicas da equipe econômica do governo Bolsonaro. O país andino é o grande exemplo utilizado por Paulo Guedes, que lecionou por lá durante a ditadura Pinochet, de país que fez as “reformas corretas”, que teriam permitido o crescimento econômico do país nas últimas décadas.
Nas últimas semanas o Chile vive um momento de turbulentas manifestações sociais, que começaram contra o aumento de 30 pesos na tarifa do metrô . Rapidamente os protestos se transformaram em grandes mobilizações contra as desigualdades sociais, com críticas às regras da previdência e à privatização de serviços públicos, além de críticas ao governo do presidente Sebastián Piñera. As manifestações no Chile colocam em questão diretamente o legado liberal que Paulo Guedes tanto defende. No Brasil, a crise chilena ganhou espaço na cobertura midiática também, com diversos editoriais discutindo o tema. Dada a importância do caso do Chile para o projeto neoliberal hoje instalado no executivo federal brasileiro, como a grande mídia discutiu as manifestações no país andino?
No dia 22 de outubro os três jornais tematizaram em seus editoriais as manifestações chilenas com uma posição bastante próxima entre si baseada em três pilares argumentativos: defesa das reformas liberais que transformaram o Chile “na maior renda per capita da América Latina”, críticas ao modelo de distribuição de renda e à eficiência do gasto público no Chile e comparações entre as manifestações chilenas e as manifestações brasileiras de junho de 2013. Assim, a grande mídia brasileira se posicionou em defesa das reformas, mas criticando alguns resultados alcançados pelos chilenos, ao passo que considerou as manifestações no Chile como um grande alerta para o Brasil.
Essa posição está em consonância com as decisões do Congresso sobre a reforma da Previdência. Durante os debates da reforma, por exemplo, o Ministério da Economia defendeu a redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o que enfrentou resistência na Câmara por atingir a população de baixa renda e foi retirada do projeto ainda na comissão especial. O projeto era baseado, sobretudo, na experiência chilena. Alguns parlamentares rejeitaram pontos da reforma proposta pelo governo com o argumento de que não precisamos importar também os problemas chilenos.
Essa posição transmite uma imagem de que é possível, ao mesmo tempo, realizar reformas que seriam essenciais para retomar o crescimento econômico que se diz sustentável e também corrigir distorções. A própria equipe econômica do Governo, com a convulsão que envolve o Chile, tem alterado sua linha argumentativa para também defender esse discurso e evitar que a agenda de reformas seja contaminada por um discurso antiliberal , o que reduziria suas chances de ser aprovada.
A Folha também discutiu o uso político das manifestações chilenas em editorial no dia 26, destacando que a crise no Chile é usada como um fato político pela esquerda continental “oportunista” e pela direita, que a descreve como um “complô marxista” para reinstalar governos de esquerda, citando inclusive Eduardo Bolsonaro como um dos entusiastas dessa posição. As afirmações de Eduardo e Jair Bolsonaro criaram um novo fato e deram oportunidade aos jornais para criticarem os bolsonaristas que atacaram a esquerda política clamando pela repressão às manifestações que não existem no Brasil , inclusive pela criação de um novo AI-5. A grande mídia associou Jair Bolsonaro e seus a aliados ao populismo, que teria destruído a economia na América Latina e criado a crise social na qual vivemos.
No dia 26 de outubro, por exemplo, O Globo em seu editorial afirma que a América Latina tem oscilado entre dois tipos de governantes: aqueles que combatem a pobreza a todo custo, arrasando as contas públicas, e aqueles que fazem os ajustes a todo custo, sem se preocupar com questões sociais. Para o jornal ambas as posições são populistas e não permitem que países como o Brasil enfrentem privilégios existentes no Estado com um sistema que equilibre responsabilidade fiscal e ascensão social dos mais pobres .
As falas dos bolsonaristas do governo repercutiram muito mais do que as manifestações em si. Dessa forma os holofotes acabaram se voltando ao presidente e seus correligionários, que foram duramente criticados pela imprensa, pelo Parlamento e por outros atores políticos por suas posições antidemocráticas. Enquanto isso, a equipe econômica trabalha silenciosamente em suas propostas sem grandes pressões populares e com o apoio do Parlamento e da própria imprensa, que encampou a agenda de reformas liberais, reforçando a importância de ajustes e fortalecendo a ideia de sensatez das reformas.
O governo com sua verborragia, criou novos fatos para ser criticado e garantiu uma nova cortina de fumaça para as reformas que, a mesmo tempo ajuda a reforçar a ideia de que a equipe econômica capitaneada por Paulo Guedes trabalha com uma outra lógica. As discussões midiáticas sobre as manifestações chilenas transformaram-se de um debate sobre questões inerentes a reformas de Estado que exigem atenção de toda a sociedade, para uma crítica ao autoritarismo e o populismo de Jair Bolsonaro. Assim, parafraseando Quincas Borba nas páginas dos jornais a Bolsonaro sobrou ódio, a Paulo Guedes sobraram as reformas e ao Chile sobrou a seção de esportes motivada final da Copa Libertadores que seria disputada em Santiago e agora foi transferida para Lima, no Peru. Falta saber o que restará para nós, brasileiros.

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