Tensões do G20: China, Estados Unidos e Bolsonaro
Pela primeira vez a Cúpula do G20 aconteceu na América do Sul. Realizado na Argentina entre os dias 30 de novembro e 1º de dezembro, o evento reuniu os chefes de Estado das vinte maiores economias do mundo. Atualmente, a Cúpula passa por uma revisão paradigmática, dez anos após a primeira reunião ocorrida em meio à turbulência provocada pela crise econômica de 2008. Com o propósito de oferecer uma resposta à crise, orientada pelo multilateralismo, pelo desenvolvimento sustentável e pela cooperação, hoje o G20 enfrenta os desafios de uma guinada protecionista, liderada pelos Estados Unidos, no que tange ao comércio internacional e os desafios das mudanças climáticas.
Durante a última cúpula, há poucos dias, as atenções estiveram sobre EUA e China. Na semana anterior ao evento havia muita expectativa sobre o encontro dos presidentes Donald Trump e Xi Jinping, inclusive acerca de um possível acordo entre ambos. Sabe-se que os dois países são protagonistas de uma “guerra comercial” que se estende há mais de três meses. Desde que o presidente estadunidense decidiu implementar uma política de taxação das importações chinesas, provocando retaliações, a relação entre os dois países tornou-se tensa. A oscilação de humores causa incerteza no comércio internacional, afetando países economicamente dependentes, como o Brasil e a Argentina.
Na véspera do encontro (29/11), a imprensa argentina destacou a presença do príncipe saudita Mohammad bin Salman, acusado de participar do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi do Washington Post e de cometer crimes de guerra no Iêmem. Os jornais criticaram também os gastos excessivos do país para a realização da Cúpula, particularmente devido à crise pela qual passa a Argentina.
No Brasil, a grande imprensa deu maior atenção aos efeitos da tensão comercial entre China e Estados Unidos e, em menor escala, às declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro – em particular, ao seu posicionamento sobre o Acordo de Paris[1] e a consequente resposta do presidente francês Emannuel Macron.[2]
A participação pouco expressiva do Brasil na Cúpula do G20, representado por Michel Temer, teve como destaque a assinatura de um documento junto aos países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no qual os chefes de Estado reafirmaram o compromisso com o Acordo de Paris e a defesa do multilateralismo.
Considerando o ineditismo da Cúpula do G20 na região sul-americana e sua importância para a política internacional, analisamos, entre os dias 28 de novembro e 5 de dezembro de 2018, a cobertura dos temas a ela relacionados feita pelos grandes jornais brasileiros – Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Estadão) e O Globo. O material analisado foi composto pelas partes apontadas no Quadro 1.
Nossa análise indica que a cobertura focou em três grandes temas: a tensão entre Estados Unidos e China; as declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro; e o debate multilateralismo vs. protecionismo. Notadamente, apesar de não criticarem abertamente o viés protecionista de Donald Trump, os jornais brasileiros reforçaram a importância do multilateralismo para o comércio internacional, apresentando a China como um país que segue essa tendência e destacando o documento final da Cúpula que recomendou a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em 29 de novembro de 2018, o Estadão cedeu uma página inteira a um informe publicitário da agência de notícias oficial do governo chinês (Xinhua), que destacou, entre outros temas a proposta de manutenção das relações bilaterais com o Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro, o posicionamento favorável do país ao G20 como fórum de governança global e a ameaça do isolacionismo. Quadro 2 abaixo mostra uma síntese dos principais assuntos abordados ao longo da Cúpula do G20:
A ênfase no Acordo de Paris remete a uma declaração feita em setembro pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro sobre a intenção de retirar o Brasil do tratado caso eleito. Aprovado em 2015, assinado por 195 países e ratificado pelo Brasil em 2016, o acordo estabelece diretrizes para o combate ao aquecimento global. No G20, o presidente francês disse não ser favorável à assinatura de acordos comerciais com países que não respeitarem o Acordo de Paris.
Macron também colocou em pauta as negociações para a conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia, que já se estendem por quase vinte anos. A imprensa brasileira não manifestou um posicionamento abertamente favorável ao Acordo, adotando um discurso majoritariamente descritivo e neutro, como mostra o gráfico abaixo.
Fonte: Manchetômetro (2018)
Outro dado que merece atenção é a representação de países e regiões. Notadamente EUA e China são sobrerrepresentados – fato impulsionado pela “guerra comercial”. Em segundo plano estão Argentina, seguida de Brasil, França e Rússia. A França aparece com destaque devido às declarações de Emmanuel Macron. Já a presença da Rússia tem relação com a saudação do presidente Vladimir Putin ao príncipe saudita e o conflito com a Ucrânia (apreensão de embarcações).
Os jornais brasileiros também sinalizaram os perigos de Jair Bolsonaro adotar uma política externa alinhada aos interesses estadunidenses de maneira acrítica. A inclinação do novo presidente a emular o estilo de Donald Trump gera certo receio na mídia. Mas esse receio não se traduz em atitude adversária em relação a Bolsonaro, mas na adoção de uma postura neutra. As críticas dirigidas ao presidente são “camufladas” nas falas de outros representantes. Em 30 de novembro, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria intitulada “Macron vê Bolsonaro como obstáculo a Acordo UE-Mercosul”, na qual foi dito que o presidente francês sugeriu que o Mercosul se posicionasse sobre as declarações do novo presidente. O jornal, contudo, se limita a reproduzir as falas de Macron sem adotar uma postura ativa neste caso. As declarações mais assertivas direcionadas a Bolsonaro ficaram a cargo dos colunistas e autores de artigos de opinião. Os editoriais, por outro lado, quando tratam de Bolsonaro, são mais cautelosos.
Fonte: Manchetômetro (2018)
Após dois dias de reuniões, acordos e fotos oficiais, o presidente argentino Maurício Macri celebrou o consenso alcançado ao final do encontro e reforçou a defesa do multilateralismo e a necessidade de reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC) – recomendação que consta no documento oficial publicado pela Cúpula.
O novo acordo entre Estados Unidos, México e Canadá, assinado em substituição ao NAFTA, também foi alvo de comentários. Após o encerramento oficial do evento, China e EUA firmaram uma trégua comercial, acalmando os mercados e as bolsas de valores. A trégua foi amplamente noticiada pela mídia brasileira, porém não foi diretamente relacionada à Cúpula do G20 e sim a uma negociação bilateral entre os dois países.
CONCLUSÕES
A Cúpula do G20 deste ano teve como protagonistas EUA e China. O encontro foi cercado de expectativas e tensões. A Argentina, anfitriã do evento, limitou-se a um papel conciliatório e festivo. No entanto, mesmo com dificuldades econômico-financeiras, o país conseguiu firmar acordos importantes, diferentemente do Brasil. No entanto, é certo que os dois países sul-americanos tiveram um desempenho abaixo do esperado – o primeiro, devido à crise que enfrenta e, o segundo, afetado pela transição de governo conturbada e pelas declarações controversas do presidente eleito.
Embora as declarações de Bolsonaro tenham gerado certo desconforto na mídia, as críticas (quando feitas) foram sempre amenizadas e relativizadas. Ainda é cedo para medir o “efeito Bolsonaro” sobre a inserção internacional brasileira, mas alguns sinais de alerta começam a surgir. Contudo, os jornais brasileiros parecem imbuídos do intento de dar ao presidente eleito uma lua de mel, que inclusive negaram a presidentes anteriores. Quanto tempo durará tal lua de mel é assunto para futuros estudos do Manchetômetro.
[1] O Acordo de Paris foi adotado em 2015 durante a 21º Conferência das Partes (COP21).
[2] A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que reúne anualmente os países membro em conferências mundiais. Suas decisões, coletivas e consensuais, só podem ser tomadas se forem aceitas unanimemente pelas partes, sendo soberanas e valendo para todos os países signatários. Seu objetivo é manter regularmente sob exame e tomar as decisões necessárias para promover a efetiva implementação da Convenção e de quaisquer instrumentos jurídicos que a COP possa adotar. Fonte: http://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/conferencia-das-partes.html