Mídia grande e governo Bolsonaro
Capítulo 2 – Bolsonaro e seu governo
Vimos, no capítulo 1 desta série, como, de forma agregada, a mídia grande brasileira cobriu Bolsonaro, seu governo e os principais aspectos da política brasileira no ano de 2019. Neste capítulo, veremos como Bolsonaro e seu governo foram tratados por cada um dos meios acompanhados diariamente pelo Manchetômetro.
É preciso lembrar que os três jornais – Folha, Estado e O Globo – insistiram por meio de seus editoriais, durante o segundo turno da eleição de 2018, que Bolsonaro e Haddad representavam riscos similares à democracia brasileira. Vejamos como sua cobertura evoluiu ao longo de 2019.
Folha de S. Paulo
O gráfico abaixo contém o agregado de textos, com suas respectivas valências, que trataram da figura do presidente nas páginas do jornal paulista.
Gráfico 1. Cobertura de Jair Bolsonaro na Folha de S. Paulo
A primeira coisa a se notar é que Bolsonaro não gozou de lua de mel por parte da Folha, coisa que observamos no capítulo anterior quando tratamos dos textos agregados de todas as mídias. Já no mês de janeiro, a proporção de contrários para neutros de sua cobertura era de 2,5. Esse perfil piorou ao longo do ano, no entanto, vindo um pico de 5 em dezembro, com média para o período de quase 4,5 textos negativos para um neutro.
Gráfico 2. Cobertura do Governo Federal na Folha de S. Paulo
Os números da cobertura do Governo Federal na Folha não diferem muito daqueles do presidente. Predominaram os textos negativos, com uma média superior a 4 para um neutro em todo o período e um pico em outubro que ultrapassou a marca de 7 para 1.
O Estado de S. Paulo
A cobertura de Bolsonaro no Estadão já de cara revela características diversas.
Gráfico 3. Cobertura de Jair Bolsonaro no Estadão
Ao contrário de seu par paulista, o Estadão deu ao novo presidente uma lua de mel de um mês. Já em fevereiro, a curva de contrários sobe para não mais voltar a cruzar a de neutros. No entanto, novamente em contraste com a Folha, o Estadão dedica a Bolsonaro uma cobertura contrária de intensidade moderada. Na média para o período, a razão entre textos contrários e neutros foi de 1,8, ou seja, menos da metade daquela observada na Folha.
Gráfico 4. Cobertura do Governo Federal no Estadão
A proporção é ainda menor quando observamos a cobertura do Governo Federal nas páginas do Estado de S.Paulo. A lua de mel teve duração de dois meses e as curvas de contrárias e neutras são bastante próximas, com uma razão média entre elas, ao longo de período, de 1,3, em favor das contrárias.
O Globo
Tomemos agora o jornal do Grupo Globo, antes de examinarmos, na próxima seção, seu principal noticioso televisivo.
Gráfico 5. Cobertura de Jair Bolsonaro nO Globo
Com perfil mais próximo ao do Estadão, O Globo deu ao novo presidente dois meses de lua de mel, com franca vantagem de neutros sobre negativos no período. A partir de março os textos negativos preponderam e a razão entre eles varia mais de mês para mês, se comparamos novamente com o Estadão. Para todo o período, contudo, a média da razão entre contrários e neutros é idêntica: 1,8.
Gráfico 6. Cobertura do Governo Federal nO Globo
No que toca o perfil das curvas para a cobertura do Governo Federal, O Globo novamente se aproxima do Estadão. Temos dois meses de lua de mel, seguidos de uma cobertura negativa de baixa intensidade. A média para o período da razão entre negativos e neutros é quase igual, aproximando-se de 1,4.
Jornal Nacional
Chegamos ao único meio televisivo de nossa amostra, que partilha com o jornal O Globo o fato de pertencerem ao mesmo conglomerado midiático.
Gráfico 7. Cobertura de Jair Bolsonaro no Jornal Nacional
Aqui notamos enorme diferença em relação aos jornais. O tratamento de Bolsonaro é comparativamente benevolente, com supremacia de matérias neutras em relação a negativas. A razão média ficou em torno de 0,9 negativas para uma neutra.
Gráfico 8. Cobertura do Governo Federal no Jornal Nacional
Como nos outros meios noticiosos, a cobertura do Governo Federal foi mais benevolente que a dedicada a Bolsonaro. No Jornal Nacional ela foi propriamente benigna, como mostra o gráfico abaixo, com franca preponderância de matérias neutras sobre negativas e uma média de razão entre elas da ordem de 0,6 para 1. É digna de nota também a queda do número de negativas a partir do segundo semestre do ano.
Conclusão
A comparação entre os perfis das coberturas de Bolsonaro e do Governo Federal nos quatro meios estudados pelo Manchetômetro revela alguns aspectos interessantes. A Folha se destacou como jornal mais crítico ao novo presidente e a seu governo, o que justificaria em parte o ódio que o mandatário destila contra o jornal em seus pronunciamentos.
Estadão e O Globo são também bastante críticos, mas com menor intensidade, e isso é particularmente verdade no que toca o Governo Federal, cuja cobertura nestes jornais abunda em matérias neutras.
Já o perfil da cobertura do Jornal Nacional não deixa de ser surpreendente, pois o Grupo Globo é também frequente objeto de invectivas do presidente. O telejornal tratou Bolsonaro e seu governo de maneira relativamente benevolente.
É preciso fazer uma qualificação neste ponto. Os textos dos jornais impressos analisados pelo Manchetômetro, constantes na primeira página e nas duas páginas de opinião, são de caráter dominantemente opinativo e, portanto, têm maior propensão a exprimir posições contrárias ou mesmo favoráveis. Já o Jornal Nacional adota estilo diferente de jornalismo, dominado por reportagens que no máximo recebem algum tipo de editorialização por parte dos âncoras. Assim, em tese, a cobertura do JN tenderia a ter perfil mais neutro. Isso nem sempre se verifica, contudo. Estudos do Manchetômetro já mostraram intensa cobertura negativa do Jornal Nacional em relação a Dilma e seu governo. Ou seja, no fim das contas, o perfil da cobertura depende mesmo de decisões editoriais.
Assim, é particularmente intrigante pesar a atitude pública beligerante de Bolsonaro com relação à Globo, tendo em vista que seu principal noticioso de fato não lhe era muito desfavorável até recentemente.