O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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O novo pluralismo Global: Malu Gaspar e a Petrobrás

No dia 25 de fevereiro, Malu Gaspar estreou sua coluna em O Globo. Autora do livro “A Organização: a Odebrecht e o Esquema de Corrupção que Chocou o Mundo”, a jornalista formada na USP foi anunciada com grande alarido na capa do jornal como uma das estrelas do time de novos articulistas que viria a oxigenar o periódico, pluralizando as opiniões nele veiculadas. 

Gaspar não teve dúvida, tascou de cara um artiguete intitulado “O bolsopetismo e a Petrobras”. O texto é malicioso e ao mesmo tempo bastante claro e direto. A malícia vem da sugestão de que a esquerda partilha com Bolsonaro um projeto político intervencionista na Petrobras. Tal movimento retórico de igualar o PT a Bolsonaro não é novo. Os grandes jornais vêm fazendo frequentemente essa comparação desde a eleição de 2018, produzindo assim um efeito de lava-mãos perante a ameaça à democracia que se concretizou com a vitória do candidato de extrema-direita à Presidência. O Estadão sintetizou bem esse posicionamento ao intitular “Uma escolha difícil” editorial comentando o segundo turno daquele pleito. Ao empregar a mesma associação entre PT e Bolsonaro, Gaspar faz homenagem ao meio que lhe acolheu, exibindo suas credenciais de fidelidade ideológica. 

A função do texto, contudo, não me parece ser somente continuar a difamar a esquerda, mas, ao assumir o papel de “porta voz do mercado”, também botar pressão sobre Bolsonaro : olha, se optar pelo intervencionismo, retiraremos o apoio. 

No mais, a autora expõe uma lógica cristalina. A Petrobras repousa sobre uma encruzilhada: ou é uma companhia que busca maximizar o lucro de seus acionistas, ou é um instrumento de política pública nas mãos do estado brasileiro. Gaspar, sem declarar, aponta claramente que a opção desejada é a primeira, a empresa que segue a lógica do mercado. 

Agora, há um raciocínio seguinte que não é: se a Petrobras é uma empresa que segue a lógica do mercado, qual seria a razão para mantê-la como estatal de capital misto? Melhor seria privatizá-la, pois assim estaríamos nos livrando de vez do risco de que, para atender os interesses dos acionistas, prejudiquemos os cofres públicos, e, assim, o povo. 

Mas a resposta a essa questão já foi dada pelos brasileiros há muito tempo: a Petrobras é uma empresa pública, porque ter controle estatal sobre o petróleo é estratégico para o Brasil. Essa foi uma opção política feita por Getúlio e endossada por todos os presidentes, à exceção de Fernando Henrique, desde então. A ideia é simples, o risco de incorrermos em prejuízos pontuais é compensado pelo benefício de termos autonomia nesse setor, inclusive para impulsionar o crescimento da economia por meio de seu enorme poder de mobilizar investimentos produtivos. 

Se a política de controle de preços já causou prejuízos aos cofres públicos, ela também já produziu enorme bem coletivo, que esse tipo de análise nunca precifica, ao proteger o mercado interno e os consumidores de altas abruptas dos combustíveis. Como administrar essa política a fim de maximizar seus bons resultados, essa é a questão importante. Agora, optar por descartar essa ferramenta, como foi feito no passado recente, em nome da defesa de uma Petrobras para seus acionistas minoritários é malicioso, entreguista, míope, em uma palavra, catastrófico. 

Mas Malu Gaspar não foi totalmente original na adoção dessa nova terminologia injuriante, que contém os termos bolsopetismo e dilmonarismo. Ela faz eco a setores das redes sociais, onde essa comparação entre esquerda e extrema-direita tem sido recorrente, associando ambas posições a um populismo eleitoreiro.

Novamente a grande mídia se comporta in tandem com as redes sociais, algo que tinha sido feito em Junho de 2013, ao longo da cobertura da Lava Jato e ao longo do processo que conduziu ao impeachment de Dilma Rousseff. Agindo assim, a mídia dá uma chancela de autoridade à pressão que os grupos de nova direita neoliberal fazem sobre Bolsonaro e o sistema político em geral. 

Sob outro ponto de vista, o enquadramento dado à troca no comando da Petrobras, ou seja, o recorte jornalístico feito para convencer o cidadão, é tão pró-mercado e desconectado da realidade brasileira que se volta irremediavelmente contra a própria mídia. Não é difícil imaginar um leitor/espectador/ouvinte comum apoiando a investida do presidente contra a política de flutuação de preços da estatal, capturada pelos acionistas minoritários. Ou seja, tal posicionamento reforça o discurso bolsonarista contra a própria imprensa, o sistema, a elite, a academia, a ciência, a vacina, e no limite, a própria democracia. 

De resto, é esse o naipe dos novos articulistas introduzidos recentemente pelo Globo com grande fanfarra: novas vozes reproduzindo o mesmo discurso, o mesmo tom e a mesma opinião de sempre.

Por João Feres Júnior, Eduardo Barbabela e André Madruga

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