Não é Lula pré-candidato?
No último dia 8 de junho, o Partido dos Trabalhadores promoveu um ato na cidade mineira de Contagem para lançar a pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto. Mesmo preso em Curitiba desde 7 de abril, Lula mantém-se em primeiro lugar isolado nas pesquisas de intenção de voto para a disputa da Presidência da República. A cobertura do evento feita pelos veículos de mídia impressa analisados pelo Manchetômetro foi exígua. Deparamo-nos com uma questão clássica daquilo que a literatura de estudos de mídia chama de agendamento: afinal, que assuntos são escolhidos pelos editores de jornais brasileiros e quais são descartados?
Para investigar problemas no processo de agendamento, em geral, identifica-se o assunto deixado de fora e demonstra-se a relevância daquele objeto. Ora, não devia restar dúvida que o lançamento da pré-candidatura do contendor favorito ao pleito deste ano é assunto de interesse público. O evento deveria despertar ainda mais interesse, dado sua excentricidade: pela primeira vez na história da democracia brasileira, o candidato não pôde comparecer ao lançamento de sua própria candidatura, pois encontra-se encarcerado.
Neste ensaio testaremos algumas hipóteses na tentativa de explicar o comportamento dos jornais brasileiros. A primeira delas é a de que o noticiário tenha sido ocupado por notícias mais relevantes que o evento; a segunda, que Lula não seja considerado um quadro relevante pelos veículos e, portanto, tenha sido rotineiramente mantido de fora da agenda; e a terceira é que a própria eleição não esteja ocupando espaço no noticiário, fenômeno já identificado pela literatura brasileira em pleitos passados. Vejamos a seguir se alguma delas se confirma.
Hipótese 1: Houve outras notícias mais relevantes
A primeira hipótese que investigamos é a de que o noticiário tivesse sido ocupado por eventos de grande relevância que pudessem ter ofuscado o ato ocorrido no dia 8. Vejamos, portanto, como foram as capas das edições do dia 9 de junho dos três jornais mais vendidos do Brasil.
O Estado de São Paulo dedicou sua manchete à exposição de dados sobre os valores de investimentos retirados da Bolsa de Valores brasileira durante o mês de maio, apontando a indefinição do cenário eleitoral e a possível ausência de uma candidatura de “centro” como um dos motivos para a fuga de capitais. Essa não foi a única notícia sobre eleições na capa. Ao lado da manchete, uma chamada informava que Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e possível pré-candidato ao Planalto, estaria considerando desistir da disputa para manter-se em seu atual posto no Legislativo. O jornal paulista concedeu espaço em sua capa também para temas de segurança pública, como um tiroteio no Rio de Janeiro e arrastões a restaurantes em São Paulo, ao obituário da ex-tenista Maria Esther Bueno e até mesmo ao fechamento de mesquitas na Áustria. Sobre o lançamento da pré-candidatura de Lula não há palavra.
Já a edição do dia 9 de junho da Folha de São Paulo trouxe como manchete uma notícia sobre o uso de dinheiro vivo em obras na casa de Maristela Temer, filha de Michel Temer, sob investigação da Polícia Federal. A primeira página também continha notícias sobre os seguintes temas: segurança pública, atuação do TSE no combate às notícias falsas, economia, incluindo uma reportagem sobre mercado de trabalho ilustrada por 7 fotos, além dos obituários de Maria Esther Bueno e Anthony Bourdain, e entrevista concedida por Sergio Cabral. A Folha dedicou, inclusive, espaço para anunciar uma matéria com dicas de especialistas sobre “como e quando limpar cada parte da sua casa”. Sobre a pré-candidatura de Lula: silêncio.
Tal qual o Estadão, o jornal O Globo dedicou sua manchete ao tema economia. Incluiu em sua capa também os obituários de Maria Esther Bueno e Anthony Bourdain além da entrevista de Sergio Cabral. Comparado aos outros jornais, no entanto, foi uma exceção, tendo dedicado uma pequena chamada ao evento em Contagem: “Isolado, PT lança Lula pré-candidato”. O jornal carioca optou por agendar o tema, ainda que tenha adotado para isso um tom depreciativo.
A primeira hipótese que poderia explicar o não agendamento do evento em Minas Gerais não se confirmou: claramente, os jornais poderiam ter dedicado espaço em suas capas ao tema caso o tivessem julgado suficientemente relevante, pois preencheram o espaço de suas capas com algumas notícias de baixíssimo interesse público. Sigamos para os outros cenários possíveis.
Hipótese 2: Lula não é notícia
A segunda hipótese que enfrentaremos é a de que o próprio Lula não seja considerado um quadro político relevante pelos grandes jornais. É claro que, caso positiva, essa hipótese significaria um afastamento dos jornais do interesse popular, uma vez que Lula retém um alto índice de aprovação desde pelo menos o tempo em que era presidente. Isto é, tal sinal seria já bastante preocupante. Suspendendo temporariamente essa conclusão, suponhamos que os jornais não dão atenção ao ex-presidente, isto é, que ele não é objeto frequente de notícias em suas capas. Expandimos nosso recorte temporal para verificar se essa hipótese se confirma observando a presença de Lula nas capas dos veículos entre 1 de maio e 14 de junho de 2018.
No período citado, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo citaram o ex-presidente Lula em 33 textos de capa. Sua distribuição não foi equânime: 14 ocorrências no Estadão, 12 na Folha e apenas 7 no jornal carioca. Vejamos agora os temas tratados nas notícias sobre Lula na tabela abaixo:
Lula foi citado em 14 matérias sobre as eleições deste ano, duas sobre as comemorações do Primeiro de Maio, uma sobre a greve dos caminhoneiros e, ainda, uma que tratou especificamente sobre o posicionamento político dos caminhoneiros grevistas[1]. Acusações contra Lula e outros membros do Partido dos Trabalhadores também foram agendadas pelos grandes jornais (Acusações contra petistas, Compra de votos na Rio-2016, Denúncia da PGR contra petistas, Pedido da defesa de Lula negado no STF, Prisão de José Dirceu, Prisão de Lula, Sítio em Atibaia, Triplex no Guarujá). Se juntarmos essas ocorrências sob a categoria “Acusações contra Lula e PT”, ela seria a mais frequente nos jornais, totalizando 15 unidades.
Examinando cada jornal separadamente, notamos que a Folha de São Paulo dividiu-se igualmente entre os dois códigos, eleições e acusações, publicando 6 textos de cada tema. Já o jornal O Globo publicou 4 sobre eleições e 3 sobre acusações. O Estadão, por sua vez, citou Lula em 4 textos sobre as eleições e em 6 sobre acusações, tendo sido também o responsável pelos textos sobre o Primeiro de Maio e sobre a greve.
Com 33 citações nas capas dos grandes jornais em um período de 45 dias, dificilmente Lula pode ser considerado um quadro político pouco relevante. Ele é o segundo político mais citado, perdendo somente para o presidente em exercício, Michel Temer. Assim, descartamos a segunda hipótese. Sigamos então para a terceira e última.
Hipótese 3: As eleições não são notícia
O terceiro cenário que analisaremos é a possibilidade de que o próprio processo eleitoral não esteja sendo agendado. A literatura de mídia e política identificou esse fenômeno durante as eleições de 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi conduzido à Presidência pela segunda vez. Será que estaríamos diante do mesmo quadro? Na Tabela 2 vemos o número de textos sobre as eleições[2] publicados por cada um dos jornais.
Em um período de 45 dias, os três jornais juntos publicaram um total de 120 textos de capa sobre as eleições deste ano — o Estadão foi responsável por 54 deles, a Folha por 34 e O Globo por 32. Em 57 houve menção a pelo menos um candidato. Vejamos como essas citações foram distribuídas na Tabela 2.
A tabela mostra que o pré-candidato à Presidência mais citado nas capas dos grandes jornais em matérias que tratam de eleições no período em análise foi Jair Bolsonaro (PSL-RJ), seguido por Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Lula aparece apenas em terceiro lugar, seguido por Ciro Gomes, Marina Silva e Henrique Meirelles.
O agendamento feito pelos jornais não corresponde aos resultados das pesquisas de intenção de voto. Tomando-se, por exemplo, a última pesquisa do Datafolha, publicada em 11 de junho, temos Lula na liderança (30%), seguido de Bolsonaro (17%) e Marina (10%). Ciro Gomes e Geraldo Alckmin encontram-se empatados com 6%. Já Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Álvaro Dias, Flávio Rocha Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila têm apenas 1%. A intensidade da cobertura sobre Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Álvaro Dias é desproporcional a sua colocação na pesquisa. Aqui identificamos mais um descompasso entre os interesses editoriais dos jornais e a preferência popular.
Conclusão
Para investigar a quase inexistente cobertura dos jornais impressos Folha de São Paulo, O Estado de Sâo Paulo e O Globo sobre o lançamento da pré-candidatura de Lula à Presidência, observamos três hipóteses: a de que a cobertura tivesse sido tomada por evento de magnitude maior não sobrando espaço disponível nas capas para tratar do tema; a de que Lula estivesse sendo mantido de fora da agenda dos jornais, não sendo citado em suas capas; a de que o processo eleitoral estivesse sendo pouco coberto pelos jornais. Nenhuma delas se confirmou. Uma última análise comparativa mostra que os grandes jornais têm de fato dedicado pouco espaço de suas capas para tratar Lula enquanto candidato, comparado aos outros candidatos com menor índice de intenção de votos. Isso não ocorre, contudo, com outros temas envolvendo o ex-presidente, como as investigações contra ele e o andamento de processos nos quais é réu. Um exemplo que ilustra bem a postura da grande mídia sobre Lula é a manchete da edição do dia 13 de maio do jornal O Globo: “Presidenciáveis evitam discutir a Previdência”. O texto que a acompanha menciona o posicionamento de Geraldo Alckmin, Marina Silva, Ciro Gomes e Jair Bolsonaro, mas não de Lula. A grande mídia brasileira parece fazer de conta que Lula não é candidato, ao mesmo tempo que lhe dedica uma generosa cobertura negativa, associada ao tema da corrupção. Até onde vão adotar tal estratégia não é possível ainda precisar.
[1] Sob a manchete da edição de 29 de maio do jornal O Estado de São Paulo, “O que mais eles querem?”, o texto informa que os grevistas, classificados de “adeptos do ‘quanto pior, melhor'”, são eleitores de Lula e Bolsonaro.
[2] Consideramos neste levantamento os textos que tratavam de candidaturas, pesquisas eleitorais, campanha eleitoral, agenda, propostas e programas de candidatos, além de quaisquer outros que fizessem menção ao pleito.