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A liberdade de expressão, de quem?

Na última segunda-feira (24/9) veio a público a notícia de que Adelio Bispo de Oliveira, homem que esfaqueou o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), concederia, no dia 28, entrevista ao SBT e à Veja, a partir do presídio federal de Campo Grande (MS), onde se encontra encarcerado. Isso seria feito mesmo com as investigações ainda em andamento. O juiz federal Dalton Igor Kita Conrado, corregedor da Penitenciária Federal de Campo Grande foi o responsável pela autorização. Tal tipo de decisão fica a cargo do juiz de execução penal responsável pela unidade em que o preso está detido. A notícia foi revestida de especulação acerca de qual poderia ser o impacto de uma entrevista como essa a poucos dias da eleição presidencial. Gerou também críticas, uma vez que o PT fez sucessivos pedidos para que Lula prestasse entrevistas da prisão, até então todos negados. Entre esses pedidos está um feito por jornalistas da Folha de S. Paulo à 12a Vara Federal de Curitiba. Frente à proibição, o jornal apelou ao STF, argumentando que a decisão feria a liberdade de expressão e impunha censura à atividade jornalística. Em meio a esse contexto, no dia 27, a pedido do Ministério Público Federal, o TRF-3 suspendeu a entrevista de Adélio.

Na manhã do dia 28, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, em resposta à reclamação da Folha, autorizou a colunista do jornal a entrevistar o ex-presidente, argumentando que censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior violava o que havia sido decidido na ADPF 130/DF, a qual assegura plena liberdade de imprensa e a proibição de qualquer tipo de censura prévia.

No entanto, ainda no mesmo dia, à noite, outro ministro do STF, Luiz Fux, suspendeu a liminar concedida por Lewandowski, atendendo a um pedido apresentado pelo Partido Novo, reiterando assim a proibição. Entre as polêmicas em torno da medida está o fato de que o processo deveria ter sido apreciado pelo presidente da corte, Dias Toffoli, o que não ocorreu. Além disso, o fato de um ministro derrubar a liminar de outro ministro criou mal-estar na corte.

As justificativas de Fux para o impedimento são por si só dignas de nota. Conforme seu parecer, a entrevista de Lula poderia gerar confusão no eleitorado, que faria “com que o voto deixe de ser uma sinalização confiável das preferências da sociedade em relação às políticas públicas desejadas pelos anos que se seguirão. É nesse sentido que se faz necessária a relativização excepcional da liberdade de imprensa, a fim de que se garanta um ambiente informacional isento para o exercício consciente do direito de voto”. O ministro, ao justificar sua decisão nesses termos, não apenas da margens à interpretação que relativiza o voto – assumindo que eleitores enganados podem votar erroneamente –, mas admite a relativização do valor da liberdade de imprensa.

Portanto, a complexidade do caso às vésperas da eleição seria por si só digna do interesse dos meios, ainda mais se considerarmos a grande visibilidade que a atuação da Suprema Corte vem recebendo nos últimos anos. Soma-se a isso o fato de o tema da liberdade de expressão ser, sem dúvida, uma agenda permanente da grande imprensa brasileira. Tanto declarações vistas como restritivas a essa liberdade, quanto iniciativas voltadas para assegurá-la costumam ter visibilidade frequente nos grandes jornais, que fazem uma defesa apaixonada e intransigente desse princípio do constitucionalismo liberal.

Supunha-se, por essa razão, que o caso acima citado recebesse atenção. A Folha de S. Paulo, diretamente atingida no caso, uma vez que foi o meio que recebeu a restrição, publicou no dia seguinte (29) uma pequena matéria – com pequena chamada de capa – que, embora no título afirme que a medida significou censura prévia, foi, de modo geral, descritiva, sem tocar no assunto da censura no corpo do texto.

No dia 30 o jornal publicou nova matéria[1] que focava na dúvida sobre Fux ter julgado o caso no lugar de Toffoli. No mesmo dia, o caso foi abordado na coluna de Daniel Lima,[2] para a qual houve uma pequena chamada de capa, que se limitou a especular sobre o mesmo detalhe, sem retomar o problema da liberdade de expressão. Não houve menção ao caso nos editoriais dos dois dias subsequentes à medida. Apenas no dia 1 de outubro a Folha publicou editorial sobre o assunto,[3] afirmando categoricamente que a medida deve ser condenada porque “atropela o ordenamento jurídico e a liberdade de imprensa”, instaurando a censura prévia. Na mesma edição, o caso foi também analisado e criticado em artigo[4] assinado por Davi Tangerino, e foi tema de uma matéria[5] mais ampla em que o jornal apresenta vozes de especialistas em direito para confrontar a proibição de Fux em seu conteúdo e na forma pela qual se sobrepôs à decisão anterior de Lewandowski. Todos esses textos foram anunciados por meio de pequenas chamadas de capa.

Em O Estado de S. Paulo foi publicada uma pequena nota[6] de três parágrafos, essencialmente descritiva, ao lado de uma matéria grande intitulada “Polícia apreende santinhos com Lula” e com foto de Haddad em um ato de campanha do PT. Nesse espaço, não há nenhuma menção aos termos liberdade de expressão ou censura. Tampouco é citada qualquer crítica ou voz divergente sobre o caso. No dia 1 de outubro, após a intervenção de Toffoli, o assunto foi mencionado na coluna[7] de Eliane Catanhêde, que afirma que “o ministro Ricardo Lewandowski insiste em liberar o ex-presidente para dar entrevistas, o que significa fazer campanha para o PT”. A colunista foca no desacordo institucional e igualmente não discute a questão censura/liberdade de imprensa. No dia 2 de outubro, uma matéria[8] foi publicada sobre o último ato de Toffoli, mantendo a suspensão da entrevista. A matéria destaca o desacordo e a guerra de liminares, novamente sem abordar os temas da liberdade de expressão e da censura.

Foi ainda mais difícil encontrar a notícia no jornal O Globo. A referência ao caso,[9] publicada no dia 30, aparece inexplicavelmente camuflada em meio a outra matéria sobre reações dos presidenciáveis à declaração feita por Bolsonaro de que não aceitaria outro resultado nas eleições que não a sua vitória. A diagramação é bastante bizarra, como mostramos abaixo. Pontualmente a nota descreve o fato sem falar em censura e sem abrir espaço para discussão sobre o desfecho do caso.

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Na edição do dia 2 de outubro, a mesma estratégia é mobilizada em O Globo. Uma pequena nota descritiva aparece novamente no fim da página “camuflada” em outra matéria sobre a declaração de Haddad a respeito da discussão sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte.

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Também no dia 2, na editoria de opinião, Merval Pereira dedicou sua coluna[10] ao episódio para acusar o PT “de utilizar a Justiça para validar uma jogada política”, omitindo que o pedido na Justiça foi feito pela Folha de S. Paulo. O colunista não mencionou em nenhum momento que o pedido foi feito por jornalista da Folha, dando a entender que foi mais uma iniciativa do PT, e defendeu a posição de Fux e de Toffoli no que diz respeito à proibição. Finalmente, e seguindo o mesmo caminho, o editorial[11] do dia 3 de outubro aborda o caso, sugerindo que a atitude de Lewandowski equivalia à medida de Moro, que liberou, na segunda-feira passada, os autos da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci seis dias antes da eleição, acusando ambos os atos de serem “intoxicados de intenções políticas”. Para o jornal, a permissão dada pelo ministro do STF, com base no argumento da liberdade de expressão, foi “estranha”, mas não há discussão ou outra consideração sobre a liberdade de expressão. O jornal legitima a proibição encerrada por Toffoli perguntando: “O que dirá a Justiça a pedidos idênticos dos chefes do crime organizado, também presos?”. Esse questionamento, ao não mencionar que o pedido de entrevista fora feito pela Folha de S. Paulo, faz parecer que o pedido foi feito por Lula como manobra política. O agente deixa de ser o jornal e passa a ser o ex-presidente.

Em se tratando de temas tão sensíveis para os meios – a liberdade de imprensa e a censura judicial –, salta aos olhos a dissociação desse tema do debate nos dois últimos jornais. Em 2008, por exemplo, também em contexto eleitoral, O Globo[12] dedicou uma página inteira à condenação, decidida pelo juiz da 1a Zona Eleitoral de São Paulo, da mesma Folha e da revista Veja por terem publicado entrevista com a então pré-candidata à prefeita pelo PT Marta Suplicy. O juiz argumentou na época que a publicação feita fora do período de campanha feria a lei eleitoral. Na matéria, O Globo apresentava vozes dissonantes, como o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos afirmando que a decisão era equivocada, uma vez que “entrevista não é propaganda”; e o advogado da Folha, que destacou, entre outros pontos, o fato de a Justiça Eleitoral estar tratando os eleitores como incapazes. A decisão de Fux esta semana, ao apelar para uma possível confusão na cabeça do eleitor, traz um argumento semelhante, mas, desta vez, não mereceu qualquer comentário do jornal.

A defesa da liberdade de imprensa tem sido uma bandeira dos grandes jornais brasileiros. Entretanto, parece haver uma seletividade na defesa dessa liberdade que depende da natureza de seu beneficiário.

[1] TUROLLO JR., Reynaldo. Ao impedir entrevista de Lula, Fux julgou pedido que era para Toffoli. Folha de S. Paulo, 30/9/2018, p. A16.

[2] Receita de bolo de fubá. Coluna Painel, de Daniel Lima, Folha de S. Paulo, 30/9/2018, p. A4.

[3] Censura de toga. Folha de S. Paulo, 1/10/2018, p. A2.

[4] TANGERINO, Davi. Os sete erros de Fux. Folha de S. Paulo, 1/10/2018, p. A3.

[5] CUNHA, Joana. Especialistas condenam censura de Fux à Folha. Folha de S. Paulo, 1/10/2018, p. A15.

[6] Fux veta permissão para entrevista de ex-presidente. O Estado de S. Paulo, 29/9/2018, p. A8.

[7] CATANHÊDE, Eliane. Pandemônio institucional. O Estado de S. Paulo, 1/10/2018, p. A6.

[8] PUPO, Amanda; MOURA, Rafael Moraes. Ministro mantém veto à entrevista de Lula na prisão. O Estado de S. Paulo, 2 de outubro de 2018, p. A12.

[9] Adversários criticam desrespeito a resultado das urnas. O Globo, 30/9/2018, p. 6.

[10] PEREIRA, Merval. Tentativa frustrada. O Globo, 2 de outubro de 2018, p. 2.

[11] Lewandowski e Moro avançam sinal.O Globo, 3 de outubro de 2018, p. 2.

[12] Juíz proíbe entrevistar candidato. O Globo, 18 de junho de 2008, p. 3.

Por Juliana Gagliardi e João Feres Júnior

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