O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Boletim 4 – Coronavírus, Governo Bolsonaro e Reflexos das crises na Economia

Neste Boletim M, a equipe do Manchetômetro apresenta uma análise dos editoriais publicados nos grandes jornais brasileiros durante junho de 2020, que corresponde ao décimo oitavo mês do governo Bolsonaro. A partir desse mês incluiremos o Valor Econômico em nossas análises. Você pode ouvir o Podcast exclusivo sobre o Boletim, clicando aqui.

O GLOBO

Em junho, O Globo teve uma posição bastante crítica a Jair Bolsonaro, sempre apontando os prejuízos ao país, principalmente econômicos, das ações do presidente. Uma das principais críticas a Bolsonaro no período foi a sua predileção por transformar o governo em uma usina de crises, em permanente conflito com o Legislativo e o Judiciário, prejudicando as possibilidades de reconstrução da economia. O Globo também repreendeu o presidente por sua suposta tentativa de criar um programa social para “chamar de seu” e capitalizar votos a partir dele, comparando-o ao PT e sua “ação clientelista” com o Bolsa Família.

O Legislativo e o Judiciário também foram mencionados recorrentemente nos editoriais, principalmente pela sua importância em limitar as transgressões do Executivo Federal. O Globo em mais de uma oportunidade defendeu que os três poderes atuassem juntos durante a pandemia para minimizar os danos da crise no país. Como o presidente da República não parecia seguir tal conselho, o jornal defende que Legislativo e Judiciário fossem as bases para proteger a democracia brasileira e a constituição dos arroubos do Executivo. Os ataques à democracia foram também criticados e constituíram mais um ponto do jornal de defesa das instituições, principalmente do STF.

Os efeitos econômicos da atuação de Jair Bolsonaro igualmente foram explorados exaustivamente durante esse período. A falta de ações do governo federal no combate à pandemia e ao desmatamento da Amazônia prejudicariam a imagem do país e poderiam resultar em boicote internacional aos produtos brasileiros como membros da União Europeia ameaçavam. Além disso, a pandemia teria ocorrido no momento em que a “herança maldita” dos governos Lula II e Dilma I começava a ser superada pelo país. Assim, com uma economia que requereria muitos cuidados, o jornal endossou a importância de reformas, como a tributária, para garantir o enfrentamento de injustiças e também para ajudar na retomada do crescimento econômico.

Por fim, a pandemia do coronavírus também foi destaque durante o mês. A péssima atuação do governo federal no combate ao vírus foi criticada pelo jornal pela vertente econômica, afinal estaríamos desperdiçando dinheiro em ações que não seriam eficazes no combate ao Covid. Além disso, O Globo defendeu ao longo do mês que ainda não era o momento para a reabertura do país, entretanto, no dia 30 de junho o jornal mudou seu posicionamento e citou a importância de se começar a pensar em reabertura do comércio.

ESTADÃO

A cobertura da política seguiu com viés negativo no mês de junho no Estadão. Apesar disso, foi observado um leve deslocamento no tom de tratamento da crise política e das ações de Jair Bolsonaro para a contenção da pandemia no país. A pandemia da Covid-19 deixou de ser central nos editoriais e passou a aparecer enquanto aspecto em outros assuntos. Alguns descontentamentos ainda assim foram pontuados, como no tocante ao pedido do presidente de não divulgação integral dos números relativos à pandemia. No entanto, as críticas foram balanceadas com ponderações de ditas ações louváveis por parte do governo, tal como a boa avaliação das políticas de enfrentamento da crise do coronavírus adotadas no Brasil.

Ainda que a avaliação negativa tenha caído em relação ao mês anterior, o Estadão seguiu pontuando a gravidade de um presidente desdenhar da pior crise sanitária do século. E isso em um contexto ainda bastante voltado aos efeitos de tal posicionamento na economia, como por exemplo, os recuos previstos para o PIB. O risco Bolsonaro, como o Estadão denominou, era o responsável pela fuga de capitais e pela alta do dólar em junho. Nesse contexto, o agronegócio se firmou como a luz no fim do túnel para o país, pois ele, segundo os editorialistas do jornal, é o que sustentava a economia. Apesar da política “antiambiental” do governo, que prejudicou a imagem do agronegócio internacionalmente, e de posições da Europa e dos Estados Unidos compreendidas pelo jornal como protecionistas, o setor demonstrava bom desempenho.

A discussão da liberdade de expressão reverberou bastante no cenário político. São três os acontecimentos que trazem à tona a temática: a CPMI das fake news e do “Gabinete do Ódio”, o Inquérito das fake news movido pelo STF e o PL 2.630/2020 das fake news. O que permeou a questão foi justamente a já antiga briga de Bolsonaro com os grandes veículos de imprensa. O embate entre executivo e judiciário seguiu em pauta nos editoriais, principalmente diante do inquérito movido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a existência de fake news e as calunias e ameaças contra corte e seus ministros.

O Estadão tentou mostrar ao longo do mês que a imagem do governo Bolsonaro tem mudado desde 2019. Acontecimentos como a saída de Sergio Moro e a aliança mal vista com o Centrão são algumas das causas apontadas por eles. O jornal demonstrou grande incômodo com o alinhamento do presidente com o Centrão e, igualmente, com o abandono da pauta das reformas, que estavam na bandeira que o elegeu.

FOLHA

A cobertura negativa da Folha foi menos intensa esse mês para todas os temas examinados nos gráficos acima. A crise sanitária manteve seu espaço, principalmente pelas medidas de reabertura, em conjunto com as demais crises, com destaque para temas econômicos. No campo político, foi pauta a jornada Weintraub, chamado de “jagunço do bolsonarismo”, a aproximação do centrão pintada como “decreto de desespero”, a defesa do adiamento das eleições sem ampliação de mandatos, a reabertura de São Paulo, e a MP 979, chamada de “tentativa canhestra de intervenção”.

A subnotificação foi o ponto central nos editoriais sobre a pandemia, tanto para criticar as mudanças na apresentação dos dados oficiais, movimento que foi tratado como “golpe estatístico” e “censura canhestra no estilo da ditadura”, como também para pôr em dúvida a possibilidade de reabrir São Paulo. O presidente Jair Bolsonaro continuou sendo amplamente criticado por sua gestão da crise sanitária, pela “obsessão irracional por soluções mágicas”,  por “ voltar as costas para o mundo, a verdade e a decência” e principalmente por manter o ministro da Saúde interinamente por tanto tempo.

A crise do novo coronavírus também foi utilizada para justificar “regras excepcionais para a renegociação de impostos”. Segundo a Folha, a pandemia apenas acentuou a estagnação já existente. Outro assunto econômico recorrente foram as reformas. No mês de junho a novidade foi defesa da Folha de que era momento de “retomar a agenda de reformas econômicas sem prejuízo das medidas emergenciais de combate à pandemia”. Uma das reformas que mais recebeu apoio foi a do saneamento, principalmente com o argumento de que a abertura ao mercado traria “avanço de grandes proporções”. Sobre o Renda Brasil, o jornal manifestou-se favorável a ampliação do cadastro dos mais vulneráveis e chegou a propor uma renda direcionada a crianças e adolescentes. Ações estas acompanhadas de “unificação de auxílios já existentes, revisão de outros gastos obrigatórios, eliminação de benefícios tributários e aumento do Imposto de Renda.”

Embora o jornal tenha comemorado a aparente trégua de Bolsonaro após prisão de Queiroz, no dia 28 a Folha lançou uma nova campanha publicitária. Sob o slogan “um jornal a serviço da democracia”, a Folha se posiciona a favor de um sistema de governo e contra o presidente da República, que no texto do editorial de lançamento da campanha vincula à ditadura militar. Resta saber se o reconhecimento do erro de ter apoiado o golpe em 1964 e ao longo dos anos ter protegido a memória deste regime, com episódios como o da “ditabranda”, serão superados por um curso grátis e propagandas na TV.

VALOR

No mês de junho os editoriais do Valor Econômico criticaram fortemente as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro diante da crise econômica causada pela emergência da covid-19. De acordo com o jornal, o presidente parecia, ainda, se esforçar para que uma crise institucional se agravasse no país ao entrar em choque com o Congresso Nacional, com alguns governadores e com o Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar de apontar o “boicote à pandemia” por parte do governo, houve elogios tímidos a algumas medidas econômicas. Segundo o jornal, o governo teria “aliviado” a área tributária ao suspender o pagamento do FGTS, adiar o PIS/Pasep e Cofins e prorrogar o Simples. Também foi citado um dado da Receita Federal que indicava que as vendas apresentaram, em maio, um aumento de 11,1%, na comparação com abril, em decorrência das medidas de estímulo econômico adotadas pelo governo.

Outra crítica do jornal ao governo Bolsonaro dizia respeito a uma suposta “mudança de posicionamento” do governo em relação ao auxílio emergencial de R$600. Segundo editorial do Valor, após uma resistência inicial ao programa, o governo teria percebido o impacto positivo do auxílio emergencial na popularidade desgastada de Bolsonaro. O jornal apontou a estratégia como “populismo econômico”, que confrontaria os programas do ministro da Economia Paulo Guedes,  mas seria um “complemento à aliança com o centrão” nos planos do presidente de resgatar a sua popularidade e evitar um processo de impeachment.

O Valor defendeu o “aperfeiçoamento” e a “ampliação” dos programas existentes, desde que respeitada a limitação fiscal. Para jornal, a renda básica universal era “cara demais” e fiscalmente insustentável no Brasil a médio prazo.  A perda de fôlego de reformas como a administrativa, a PEC emergencial e a tributária, foi vista negativamente e atribuída ao “pandemônio” criado pelas provocações de Bolsonaro às instituições, primeiro, e depois pela covid-19. O Valor também dedicou um editorial à crítica do veto do STF ao corte dos salários dos servidores públicos.

Outro ponto discutido pelo jornal foi o marco regulatório do saneamento, aprovado no dia 24 de junho que permitiria, entre outras coisas, a entrada do setor privado na prestação desse serviço. O texto, que sofreu forte oposição da esquerda, foi apresentado pelo Valor como solução para a precariedade do saneamento básico.

OS TRÊS JORNAIS

CONCLUSÃO

Conforme análise demonstrou, a cobertura dos jornais impressos em junho se pautou pelos três assuntos mais recorrentes desde que começamos essa série de boletins: a pandemia, os reflexos político-econômicos das ações de Bolsonaro e de seu governo e a economia.

A cobertura do coronavírus assumiu em junho o novo momento da pandemia: a possibilidade de flexibilização das normas de isolamento finalmente surgiu em textos em O Globo, no Valor e na Folha que censuraram a decisão precipitada de governos estaduais e municipais em acelerar a reabertura. Além disso, esses periódicos também criticaram a forma como o governo Bolsonaro geriu a crise no país, principalmente com a manutenção de um ministro interino da saúde por tanto tempo. O Estadão, por sua vez, mudou seu posicionamento em junho e, partindo de uma lógica de que não haveria mais isolamento no Brasil, defendeu as ações do governo Bolsonaro no combate à covid-19.

O Valor, como jornal especializado no aspecto econômico, criticou as ações do governo no combate a crise econômica decorrente da pandemia. O auxílio emergencial também foi alvo do jornal que afirmou que o país não possuiria condições para manter o programa viável por muito mais tempo, apesar de o governo considerar o Renda Brasil importante para sua aumentar sua popularidade. Nesse aspecto, o governo e seu presidente foram também alvos de críticas da Folha, d’O Globo e do Estadão, que recriminam sua predileção por incitar e fomentar crises institucionais com os outros dois poderes, prejudicando a imagem do país no exterior. A falta de combate ao desmatamento da Amazônia voltou à tona, novamente com críticas à atuação do governo, por prejudicar o agronegócio no mercado exterior. Com os péssimos resultados da economia brasileira, a pauta de reformas foi retomada e defendida pelos jornais.

Em suma, os jornais mantiveram uma cobertura bastante preocupada com o futuro econômico do país e com os reflexos do governo Bolsonaro para esse futuro. Com a pandemia do coronavírus atingindo uma nova fase, a discussão sobre a reabertura e também sobre reformas necessárias para custear os gastos com a crise se tornam cada vez mais recorrentes. E a discussão sobre a importância de políticas sociais, tão defendidas a meses atrás, dá vez à defesa de reformas que reduzam o Estado e seus custos, como a cobertura do Valor, novo jornal analisado pelo Manchetômetro, demonstra. Ou seja, nada de novo no front.

Por Eduardo Barbabela, Mariane Matos, Lidiane Vieira, Luiza Medeiros e João Feres Júnior

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