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Eleições e corrupção no Jornal Nacional: o drama das entrevistas do Jornal Nacional

Desde pelo menos as eleições de 2014 as edições do Jornal Nacional têm um repertório marcado que impregna a grade de notícias: a corrupção.

Desde pelo menos as eleições de 2014 as edições do Jornal Nacional têm um repertório marcado que impregna a grade de notícias: a corrupção. Esse tema está agora, com muita força, dando o tom das entrevistas realizadas com os candidatos a presidente.  Na prática discursiva do JN, a corrupção não é mais um problema num rol de outros problemas. Ela é, em si, um fenômeno que ressignifica a compreensão do cenário político-econômico-social do Brasil.

Nessa nova contextualização, a política é remetida à imagem de um Brasil não desejado, engolido pela corrupção. Há movimentos bastante precisos e coordenados nas edições do jornal nesse período, com um enquadramento muito bem construído a partir do repertório, da qualificação dos atores (candidatos) e da construção da cena enunciativa (a bancada do JN, a contraposição dos interlocutores). Localizar a existência de um repertório e examinar seu funcionamento é o objetivo desse ensaio. Para tal, focaremos as entrevistas dos candidatos feitas recentemente pelo programa jornalístico da TV Globo.

Nessa cenografia das entrevistas, podemos apontar dois aspectos que se destacam:

  • Forma-se uma agenda focada no tema corrupção, que ganha centralidade entre os assuntos que os presidenciáveis devem abordar e retira a possibilidade de que as discussões avancem em outras direções – como emprego/desemprego, renda, retomada econômica, saúde, desenvolvimento econômico etc.;
  • O peso do papel da Justiça, delineada aqui como entidade, é central. Não se trata apenas do Judiciário, mas da ideia de uma Justiça acima das questões cotidianas. Essa é a voz que fala pelos entrevistadores. A justiça pesa sobre os candidatos, que a ela devem prestar contas segundo os parâmetros ditados pelos entrevistadores do JN.

A associação insistente da política com a corrupção é particularmente nocivo no contexto particular da eleição. Assim, o debate raramente avança para outros aspectos que seriam amplamente relevantes para o debate eleitoral. O eleitor-espectador é conduzido, então, a concluir que as soluções para os problemas de serviços e políticas públicas não está entre as diferentes posições dos candidatos em relação a eles, mas no combate à corrupção. Igualada à corrupção, a política não é mais a janela de possibilidade de soluções para o Brasil, mas o mal em si que deve ser debelado para que o país avance.

Chega a ser escandaloso constatar que essa lógica é a mesma que move candidatos como Bolsonaro e Marina Silva: ambos reclamam para si a figura do outsider, desprezam partidos e instituições e prometem que vão governar por cima dos partidos, somente com homens e mulheres “de bem”.

  1. A cena onde se desenvolve essa dramatização é a famosa bancada do JN, onde, de um lado, se perfilam os entrevistadores Bonner e Renata (numa postura de quase inquisidores) e, de outro, o candidato ou candidata (frequentemente acuados). De um lado , O BRASIL QUE A GENTE QUER: sem corrupção, sem políticos sujos, com uma Justiça soberana acima de todas as instituições, responsável pela palavra final. Os apresentadores do JN estão lá representando, ao mesmo tempo, esse ápice de suposto anseio popular e a própria Globo, como se empresa e povo fossem uma e a mesma coisa, ou melhor, como se a empresa fosse o canal ideal de manifestação dos anseios populares. Do outro lado da bancada está O BRASIL QUE NÃO QUEREMOS, a política, os políticos, prontos para serem inquiridos, desnudados, interrompidos repetidamente pelos inquisidores globais. Sempre tratados com absoluta desconfiança, com ar de desaprovação e desprezo moral. Repreendidos por se renderem ao “toma lá dá cá” do presidencialismo de coalizão.

O drama das entrevistas dos presidenciáveis no Jornal Nacional é uma vitrine, um sumário, do longo drama da criminalização da política que a grande imprensa brasileira vem perpetrando há mais de década e que, nos últimos anos, assumiu absoluta estridência. A lógica antipolítica é tão óbvia que é difícil imaginar como ela beneficiaria direta ou indiretamente candidatos que exploram exatamente esse filão.

Por Eliara Santana e João Feres Junior.

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