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As entrevistas d’O Globo com os presidenciáveis de 2018

Marcos Correa/PR
Marcos Correa/PR

Recentemente, O Globo publicou entrevistas com os candidatos à Presidência da República.[1] Embora o jornal venha dando ênfase ao “cenário sem Lula”, também foi publicada uma entrevista com Fernando Haddad, candidato à vice-presidente na chapa petista,[2] frente à impossibilidade do titular participar. Esta entrevista não consta na lista que reúne as entrevistas com os presidenciáveis. No entanto, para efeito de análise da ação dos entrevistadores, também consideraremos aqui este material.[3]

Neste texto, buscamos observar especificamente o papel do jornal nas entrevistas. Não abordaremos, portanto, as respostas dos candidatos, mas as perguntas ou intervenções a eles dirigidas pelos entrevistadores.

perguntas globo

O candidato que respondeu o maior número de perguntas (31) foi Jair Bolsonaro (PSL), seguido por Geraldo Alckmin (PSDB) – 19 – e Guilherme Boulos (Psol) – 19 –, Ciro Gomes (PDT) – 18 –, Fernando Haddad (PT) – 17 – e Marina Silva (Rede) – 14. A diferença no número de perguntas não pode ser explicada apenas pelo lugar que cada um ocupa nas pesquisas de intenção de voto. Na pesquisa do Datafolha publicada em agosto,[1] Lula liderava isoladamente com 39% de intenções de voto, seguido por Bolsonaro com 19%, Marina Silva (Rede) com 8%, Geraldo Alckmin (PSDB) com 6% e Ciro Gomes (PDT) com 5%. Guilherme Boulos (Psol) aparecia com 1% das intenções de voto.

Com relação aos grandes temas abordados nas entrevistas, de modo geral, a política foi predominante, correspondendo a 73 do total de 118 perguntas feitas aos candidatos. Dessas 73, 34 se referiram especificamente à dinâmica da campanha eleitoral. Não é surpreendente que a política seja uma área muito presente no debate eleitoral. O que chama atenção é a ausência de temas centrais para a administração pública, como a saúde e educação. Enquanto essas áreas recebem os dois maiores orçamentos ministeriais, não foram objetivo de uma pergunta sequer por parte da família Marinho.

temas globo

Se observarmos a distribuição de temas endereçados a cada candidato notamos que a política teve um peso maior na entrevista de Haddad do que dos outros candidatos, correspondendo a 16 das 17 perguntas respondidas por ele, ou seja, 90% do total. Em seguida vêm Alckmin com 63%, Ciro e Marina com 50% e Bolsonaro com 45%.

Já no tema economia, Bolsonaro foi o que respondeu ao maior número de perguntas – 8 das 31 que recebeu, isto é, 26%, seguido por Alckmin com 21%, Marina com 14% e Ciro, Haddad e Boulos com 6%.

distribuicao

Perguntas sobre valores foram direcionadas apenas a Bolsonaro e Ciro Gomes como interpelações. No primeiro caso as perguntas tiveram o intuito de confrontá-lo em razão de seus valores conservadores, especialmente sobre a homossexualidade e o feminismo. No caso de Ciro, sobre a descriminalização das drogas, o lugar de sua esposa na campanha[1] e o aborto, combatido por sua vice. As perguntas dirigidas a Bolsonaro expõem assuntos que motivam repetidas críticas ao candidato por parte dos eleitores que o rejeitam. No caso de Ciro, as perguntas expõem suas posições frente a possíveis simpatizantes de esquerda que podem se chocar com elas. Enquanto Bolsonaro foi interpelado 7 vezes em razão de seus valores conservadores (nos campos da sexualidade, feminismo, gênero), Boulos, que tem visão progressista nessas áreas, não recebeu nenhuma pergunta sobre elas.

Apenas Jair Bolsonaro e Fernando Haddad não responderam a perguntas sobre a Operação Lava-Jato e a candidata que respondeu mais perguntas sobre esse tema foi Marina Silva. Nos casos dela e de Alckmin, as perguntas tiveram o objetivo, em especial, de pôr em cheque alianças políticas com supostos envolvidos. Nos casos de Boulos e Ciro, as perguntas destacaram suas críticas à operação.

Guilherme Boulos que, fora Haddad, é o único dos candidatos a defender energicamente a participação de Lula nos debates e no pleito, recebeu quatro perguntas que mencionavam o ex-presidente e punham em xeque seu apoio a ele e sua opinião sobre a condenação do petista.

Para efeito de análise, categorizamos todas as perguntas recebidas pelos candidatos em tipos listados na figura abaixo. O tipo menos frequente foi o pedido ao candidato para se diferenciar de outros. Apenas Boulos recebeu essa pergunta formulada assim: “Qual a diferença do senhor para o PT, Ciro Gomes (PDT) e Manuela D’Ávila (PCB)?”. Acompanhada de outra indagação sobre o motivo de haver quatro pré-candidatos de esquerda, a pergunta reflete a suposição que não haveria diferenças. A mesma pergunta, no entanto, não foi dirigida a candidatos de outras orientações ideológicas, a despeito de Bolsonaro, Alckmin e Marina terem posições no âmbito da política econômica bastante similares. O segundo tipo em menor número de perguntas (5) foi a confirmação de ações ou opiniões passadas – quando o candidato foi indagado sobre sua posição com relação a algo que defendeu anteriormente; por exemplo: “a senhora se arrepende de ter apoiado o impeachment de Dilma Rousseff?”, “A auditoria da dívida pública continua uma bandeira sua?”, ou “O senhor já disse que Geraldo Alckmin é honesto. Após denúncias da Dersa, continua pensando assim?”. Bolsonaro respondeu a duas perguntas deste tipo, enquanto Haddad, Boulos e Marina responderam cada um a uma.

Perguntas irônicas (6) conformam o terceiro tipo de perguntas mais frequente. Exemplos: “O senhor quer mesmo ser presidente da República?”, “Tudo o senhor joga para o Paulo Guedes?”, “Isso não é manter privilégios?”. Bolsonaro, mais uma vez, foi o que respondeu mais perguntas (3) deste tipo, seguido por Alckmin (2) e Ciro Gomes (1).

tipos

As perguntas sobre configurações do governo, caso eleito, e sobre propostas do candidato específicas para alguma área ou assunto também tiveram 6 ocorrências cada. As primeiras podem ser exemplificadas por: “qual seria o primeiro plebiscito, se eleito?”, “vai aceitar as indicações do Centrão?”, “como pretende governar sem compor com outros partidos?” –, e foram dirigidas a Boulos (2), Alckmin (3) e Haddad (1). As segundas, tem por exemplo: “qual seria a sua política de combate à inflação?”, “quais pontos da reforma trabalhista precisam ser revistos?” ou “qual a sua proposta de reforma tributária? – e foram dirigidas a Marina (1), Ciro (2), Bolsonaro (2) e Haddad (1).

O sexto tipo é composto por perguntas sobre a posição do candidato com relação a determinadas medidas, governos ou condutas (8) – como “a senhora é a favor do imposto sindical?”, “o senhor é favorável à autonomia ou até mesmo independência do Banco Central?” ou “outro ator central na Lava-Jato é o Supremo Tribunal Federal. O senhor é a favor do mandato vitalício dos ministros?” – foi endereçado a Marina (2), Bolsonaro (3), Boulos (2) e Alckmin (1).

Os três últimos tipos são os que englobaram mais perguntas e foram feitos a todos os candidatos. As interferências do tipo comentário (13) são afirmativas sem exclamação após as quais os candidatos falaram: “o senhor disse que é contra a descriminalização das drogas.”, “mas são partidos pautados pelo fisiologismo há muitos governos…”, “o senhor acabou sendo vítima de um acordo do PT com o PSB que o deixou isolado”. As perguntas sobre campanhas (23, das quais 10 sobre alianças) são exemplificadas por: “e acredita que o apoio a Aécio Neves em 2014 pode lhe tirar votos?”, “sabe quanto a sua pré-campanha gastou até agora?”, e “a senhora tem batido duro no Bolsonaro e no Alckmin, por causa da aliança com o centrão. Mudou de estratégia?”.

O último tipo, no qual foi englobado o maior número de perguntas (48), são questões que começam com uma afirmação ou declaração e terminam com uma pergunta, um pedido de explicação. Alguns exemplos: “o senhor é contra aumentar imposto, mas pode assumir um governo com problema de caixa. Onde vai cortar?”, O programa de governo do PT critica a situação econômica, mas quando a Dilma saiu o país já tinha 11,4 milhões de desempregados. Essa crise não é dividida entre o PT e o governo Michel Temer?”, “a estimativa é que a Lava-Jato recupere R$12 bilhões. Daria para construir 63 mil imóveis do Minha Casa Minha Vida. Isso é desprezível?”. Bolsonaro novamente foi o que respondeu mais perguntas do tipo (13), seguido por Boulos e Haddad (9 cada), Alckmin (8), Marina (6) e Ciro (3). A característica deste tipo de pergunta é que vem sempre acompanhada de uma pressuposição que dá pistas sobre a opinião do jornal. A resposta do jornal aparece antes, portanto, subentendida.

A relevância de se observar os três últimos tipos está no fato de seu grau de interferência: comentários trazem afirmações que com frequência carregam julgamentos; parte das perguntas sobre a campanha – aquelas sobre alianças políticas – traz implícita a reprovação dessas alianças; e as perguntas que começam por afirmações, ao invés de darem espaço para que o candidato responda, exponha ou comente, funcionam como pressão prévia pela conformidade à posição do jornal.

Tal configuração das entrevistas levanta a questão mais geral sobre seu propósito ou função. Em sua série de entrevistas, o Globo, assim como seu par televisivo Jornal Nacional, não parece interessado em explorar as diferentes propostas dos candidatos em relação a temas cruciais da administração pública, ajudando assim a informar melhor seu leitorado. O objetivo maior que move as entrevistas parece ser arrancar do candidato um posicionamento em relação à narrativa da política como corrupção, que organiza a cobertura jornalística da grande mídia brasileira há mais de década. Alianças político-partidárias, apoios políticos, composição de gabinete e outras práticas políticas são questionados sempre pela ótica da corrupção. A única área importante de política pública que escapa é a economia, como vimos acima. Nesse caso o jornal se esforça para submeter os entrevistados ao teste das supostas verdades da doutrina fiscalista que anima seus editores, como a inexorabilidade das reformas, do enxugamento da máquina estatal, etc.

Há muito o que lamentar no tocante à qualidade das entrevistas feitas por O Globo, mas pouco a se espantar. Afinal de contas, constatamos aqui a repetição das mesmas posturas que o jornal e a empresa proprietária vêm adotando ao longo de décadas.

[1] A pergunta faz referência a um comentário feito por Ciro Gomes na campanha presidencial de 2002, quando ele respondeu que o papel de sua então esposa em sua campanha era dormir com ele.

[1]http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/08/22/dca656b8f2c41be5d125ec4e51b9e513.pdf

[1] https://oglobo.globo.com/brasil/leia-as-entrevistas-dos-presidenciaveis-ao-globo-22941226

[2] “Manter candidatura de Lula não é capricho”, diz Fernando Haddad ao Globo. O Globo, 12 de agosto de 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/manter-candidatura-de-lula-nao-capricho-diz-fernando-haddad-ao-globo-22971342>.

[3] Nesta análise, consideramos as entrevistas concedidas ao Globo por Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Fernando Haddad e Marina Silva.

Por Juliana Gagliardi e João Feres Jr.

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