O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Midia grande e governo Bolsonaro

Capítulo 1 – Apresentação

Nesta série de estudos utilizaremos a base de dados do Manchetômetro para examinar em detalhe o tratamento que a mídia grande[1] tem dispensado a Bolsonaro e a seu governo desde a posse, em janeiro de 2019. É importante lembrar que nossa base é composta de todas as notícias da primeira página e dos artigos e textos das duas páginas de opinião de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Também está incluído na base todo o conteúdo do Jornal Nacional.

O tratamento abjeto recentemente dispensado por Jair Bolsonaro à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, foi somente o mais saliente episódio de uma longa lista de factoides produzidos pelo presidente na sua relação com a imprensa brasileira, ou pelo menos com parte dela. Bolsonaro conseguiu constituir um polo alinhado, ou chapa branca, de canais de mídia, composto principalmente pelas TVs Record, Band e SBT, e suas redes e veículos afiliados.

Os veículos mais tradicionais da imprensa nacional, que se arrogavam o papel de grandes formadores de opinião, como Globo, Folha e Estado, ficaram fora desse campo. São essas empresas que detém ainda o quase monopólio sobre a impressão dos quality newspapers. Ademais, a Rede Globo ainda tem o programa noticioso televisivo de maior audiência, o Jornal Nacional.

São esses canais que reagiram veementemente ao episódio envolvendo a jornalista da Folha. E são também eles os objetos mais frequentes das imprecações do presidente contra a imprensa. Contudo, o tratamento que esses órgãos de mídia deram ao presidente e ao seu governo ao longo do ano passado é bem mais nuançado do que o dramatismo dessa relação quase novelesca entre as partes parece indicar.

A série de estudos curtos que damos início aqui se debruça sobre os dados da cobertura ao longo do ano de 2019 na busca da interpretação correta para o papel da mídia nesses novos tempos inaugurados pela eleição de 2018.

Neste primeiro estudo, faremos a aproximação mais geral do objeto, tomando o agregado dos textos dos quatro veículos. Nos próximos boletins iremos focar em mídias particulares e em comparações entre elas, assim como nos principais temas da cobertura. Incluímos nos gráficos não somente os 12 meses do ano de 2019 mas também janeiro de 2020.

Bolsonaro e Governo Federal

Comecemos pelo chefe do executivo e seu governo.

Gráfico 1 – Cobertura de Jair Bolsonaro

A cobertura recebida pelo presidente é no geral bastante negativa, como proporções que ficam em torno de 3 negativas para uma neutra ao longo de todo período, com exceção do primeiro mês, durante o qual Bolsonaro parece ter gozado de uma breve Lua de Mel por parte da imprensa grande. Quando desagregarmos esses dados por veículos veremos que houve divergência entre eles no que toca o chefe do executivo.

Gráfico 2 – Cobertura do Governo Federal

Notamos novamente indício de Lua de Mel quando olhamos para as curvas da cobertura do Governo Federal no primeiro mês do funcionamento da nova gestão. Repete-se também a predominância de negativas ao longo do período, mas em proporção mais baixa, agora em torno de 2 para uma neutra.

Política

No Manchetômetro codificamos todos os textos relativos à atividade política. O gráfico acima reproduz as curvas de valência desses textos tomados de maneira agregada. É bastante impactante notar a intensidade da negatividade dessa cobertura.

Gráfico 3 – Cobertura sobre Política

Já chamamos a atenção em estudos passados para essa tendência de tratamento desfavorável da política dispensado pela mídia grande em nosso país, fortemente dominado pela criminalização da atividade.

A fim de averiguarmos se a tendência negativa registrada acima não está sendo inflada pelo viés negativo das coberturas dedicadas ao presidente e a seu governo, também já analisadas por nós no presente estudo, plotamos o gráfico abaixo com a cobertura da política subtraindo as matérias em que Bolsonaro e seu governo figuram.

Gráfico 4 – Cobertura sobre Política*

* Textos sobre política que não tratam de Bolsonaro ou do Governo Federal.

O resultado é novamente bastante negativo, com intensidade um pouco inferior a cobertura do presidente. Como as mídias que estudamos têm marcada preferência para a cobertura da política no âmbito federal, particularmente em sua primeira página e páginas de opinião, a cobertura que resta quando excetuamos o presidente e seu governo é dominada pelo Congresso Nacional, seus presidentes, deputados e senadores, e por notícias sobre os partidos políticos e seus principais líderes. É esse conjunto de textos, dominantemente desfavoráveis, que conformam as curvas do gráfico acima. Não podemos descartar a possibilidade de notícias sobre Lula e o PT serem componentes principais da cobertura retratada no gráfico, pois em outros estudos notamos sua abundância em todos os veículos e caráter fortemente negativo, mas não fizemos tal filtro dessa vez.

Se a cobertura da mídia grande tem algum efeito sobre a opinião pública, e é razoável assumir que tem, pois continuam a ser as únicas organizações sociais que produzem de modo profissional e continuo notícias sobre política, economia e fatos sociais, então não é de surpreender a disposição altamente pessimista que a população tem demonstrado nos últimos anos em relação às instituições políticas ou mesmo à democracia como forma de governo. Os resultados das últimas eleições constituem evidência dramática dessa disposição.

Economia e Guedes

Competindo com a cobertura da política, e muitas vezes misturada a ela, vem a cobertura da economia. Vejamos como foi o perfil dessa cobertura no primeiro ano de Bolsonaro.

Gráfico 5 – Cobertura sobre Economia

Artigo em preparação com dados do Manchetômetro e do desempenho econômico do país na última década mostra que a cobertura da economia nem sempre acompanha os principais indicadores econômicos, como crescimento do PIB, taxa de desemprego, etc. Contudo, no ano passado houve coincidência entre mal desempenho econômico do país e a cobertura jornalística da economia nos veículos da mídia grande.

Parte dos textos sobre economia contém referências à política econômica do Governo. Contudo, se tomarmos o Ministro da Economia como parâmetro, veremos que o perfil negativo da cobertura da economia parece não contaminar a postura dos noticiosos aqui estudados em relação a sua figura.

Gráfico 6 – Cobertura de Paulo Guedes

Como nossa base é composta por uma alta proporção de textos de opinião (colunas e editoriais), nota-se aqui um forte entusiasmo em relação a Paulo Guedes, inclusive com um número não desprezível de favoráveis. No primeiro semestre do ano a proporção de neutras para contrárias era da ordem de 5 para 1.  Mas a curva de neutras vai declinando ao longo da série para encontrar as negativas em dezembro. Em janeiro desse ano as duas curvas voltam a se distanciar com vantagem para as neutras.

A interpretação das neutras depende bastante do contexto. Parece-nos que, em uma situação em que a economia continuou a mostrar resultados ruins ao longo do ano, é notável que os noticiosos tenham preservado o ministro, inclusive relatando as suas ações sem associá-las a esse desempenho, como acontece na maioria das notícias codificadas como neutras.

Moro

Por fim, trazemos o gráfico com a cobertura do Ministro da Justiça no período.

Gráfico 7 – Cobertura de Sérgio Moro

Consagrado pela mídia grande como campeão da luta contra a corrupção política no Brasil, Sérgio Moro passou a integrar o governo de direita de Bolsonaro, abandonando assim sua carreira na magistratura. A mídia dispensou-lhe tratamento bastante benevolente durante quase todo o primeiro semestre de 2019. Tal situação se alterou com a eclosão do escândalo Vaza Jato, revelando práticas bastante questionáveis, dos pontos de vista ético e legal, do então juiz e dos procuradores federais de Curitiba.

É importante notar que a partir de julho a curva de negativas cai constantemente vindo a cruzar novamente a de neutras. Ou seja, já em novembro Moro parece retornar à sua posição de beneficiário da cobertura midiática.

Conclusão

Esse voo de pássaro sobre a cobertura de 2019 não nos permite observar seus detalhes mais pontuais nem as características de cada meio e suas diferenças específicas. Mas ela já nos permite concluir que não há uma posição monolítica da mídia grande em relação ao governo Bolsonaro. Enquanto o presidente e seu Governo, no atacado, receberam tratamento negativo, Paulo Guedes e Sérgio Moro foram tratados com extrema benevolência, e isso em situações bastante desfavoráveis para ambos – um atravessando a pior crise econômica da história recente do país e o outro sendo acossado por serias denúncias que manchariam a reputação de qualquer mortal.

Não precisa ser um mestre da hermenêutica para saber que os donos e editores dos meios aqui estudados tem forte predileção pela ideologia de mercado, fiscalista,  neoliberal, ou qualquer outro nome que se dê à posição política e ideológica que acredita na diminuição do papel do Estado nos processos econômicos e sociais, inclusive quando ela redunda aumento da precarização das condições de vida de enorme parcela da população. Guedes é um campeão dessa ideologia, daí as afinidades eletivas com as mídias.

Já o caso de Moro é diferente. Como ministro tem produzido quase nada a não ser tentativas fracassadas de usurpar direitos básicos da cidadania em nome de uma agenda law and order que sequer consegue fazer decolar. Mas foi o principal agente de uma campanha de anos movida pela mídia grande, setores do capital, a antiga centro direita e a nascente nova direita contra as instituições políticas, mas que teve como alvo precípuo Lula e seu partido, o PT. Despido pela Vaza Jato de sua pretensa estatura moral, ele se apressou em vestir novamente os mesmos andrajos lançados ao chão, mesmo que agora eles tivessem ficado ainda mais mal-ajambrados.

Esses e outros detalhes deixamos para os próximos boletins sobre a cobertura de 2019.

[1] Não estamos levando em conta canais de televisão como o SBT, Bandeirantes e Record, todos aparentemente bastante alinhados com o governo do ex-capitão. O uso da expressão “mídia grande”, a despeito de sugerir tom irônico, na verdade pretende descrever a estrutura e recursos dessas organizações, que, em comparação a outros veículos de comunicação é de fato bastante avantajada. Para além de sua infraestrutura e equipamentos, cada uma com centenas de jornalistas. A expressão mais usual “grande mídia” parece emprestar um sabor moral positivo ao objeto, coisa que se perde com a inversão da colocação do adjetivo. Assim, deixamos para a conclusão do leitor se tal julgamento moral é de fato cabido.

Por João Feres Junior e Eduardo Barbabela

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