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Jornalismo de campanha em plena pandemia: a Globo e os direitos do trabalhador

Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Em meio a uma pauta dominada há dias pelas notícias acerca da pandemia do Coronavírus, o Jornal Nacional de anteontem (8/04/2020) apresentou reportagem cujo título no seu website é “Parlamentares têm até o dia 20 para aprovar MP do contrato de trabalho Verde e Amarelo”.

O que segue é uma reportagem-propaganda da MP. O telespectador é informado por narradora em off que ela “incentiva o emprego de trabalhadores de até 29 anos” e que “parlamentares ampliaram os incentivos para trabalhadores com mais de 55 anos e que estão há um ano sem emprego”.

Em seguida, a narradora passa a elencar outros dispositivos da MP, também denominada “Contrato verde-amarelo”:

  • Elimina a contribuição patronal de 20% para o INSS,
  • Elimina o salário-educação, pago pelas empresas e destinado ao financiamento de projetos do ensino público,
  • Elimina as alíquotas do Sistema S,
  • Reduz a contribuição do empregador para o FGTS de 8% para 2%, e
  • Reduz o valor da multa de rescisão, de 40% para até 20%.

O telespectador então é informado que “o governo lançou esse contrato especial com o objetivo de estimular contratações – antes mesmo do início da pandemia” e que segundo a equipe econômica do governo, “os incentivos derrubam os custos de mão de obra para o empregador em até 34%”.

Entra então entrevista com o secretário de trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, que diz ser a medida “é importante para a retomada do emprego e pra proteger esses extratos da sociedade que são mais propensos e serem demitidos nessa crise e que demoram muito no momento de retomada”.

Na sequência, voz é dada para o autor da MP, o deputado Christino Aureo, do PP (RJ), que emenda o seguinte comentário: “[a MP] se mostra adequada pra fazer uma ponte entre as medidas emergenciais e o futuro do mercado de trabalho. A nossa intenção é fazer com que aquilo que é fundamental para retomada, para apoiar e proteger segmentos mais frágeis da sociedade”.

Termina assim a reportagem, com o autor da MP defendendo-a em vídeo caseiro, provavelmente gravado durante a quarentena do parlamentar.

Essa breve descrição de matéria de 3 minutos e 45 segundos de duração já deixa bastante claro o forte viés do jornalismo nela praticado. A MP é apresentada pelo âncora Bonner, pela narradora em off e pelas pessoas entrevistadas sempre na melhor das perspectivas. Em momento algum a matéria questiona os dispositivos contidos na MP, ainda que seja óbvia a possibilidade de interpretações discordantes.

Ora, todos os dispositivos elencados acima (diminuição da contribuição patronal, da multa rescisória, da contribuição do FGTS, etc) são na verdade perda de direitos trabalhistas, com a exceção da eliminação das alíquotas do Sistema S, mas mesmo essa posse ser vista como perda indireta, pois o Sistema presta vários serviços aos trabalhadores.

Nenhum líder sindical ou mesmo acadêmico da sociologia do trabalho foi entrevistado para conferir uma visão mais plural ao assunto.

A reportagem poderia ter examinado o caso recente da reforma trabalhista durante o Governo Temer, que prometia o crescimento do emprego em troca da diminuição de direitos trabalhistas, mas que até agora não entregou resultados. Mas não, o que ouvimos é a repetição desse raciocínio a despeito da falta de evidências empíricas que o corroborem. E tal repetição vem na voz de um burocrata do Governo Bolsonaro, altamente neoliberal em termos econômicos, e do deputado autor da própria MP, ou seja, dois personagens altamente interessados na mesma interpretação dos fatos.

Um jornalismo de melhor qualidade poderia ser concebido, mas nenhum que fosse mais fiel á tradição de luta contra os direitos trabalhistas praticada pelo Grupo Globo.

Por João Feres Júnior

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