O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Boletim M – A cobertura do governo Bolsonaro no Jornal Nacional

O mês de junho no Jornal Nacional foi marcado por quatro temas principais, que se desdobraram em uma série de críticas ao governo Bolsonaro. O primeiro teve como pano de fundo a crise sanitária causada pela COVID-19. Trata-se do embate entre o jornal e os dados sobre o número de mortos e infectados da pandemia, até então repassados pelo Ministério da Saúde. O segundo foi a prisão de Fabrício Queiroz, que ocorreu no meio do mês e trouxe  de volta suspeitas  de  associação de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, com esquemas de corrupção. Já o terceiro envolveu a área de Educação, marcada pela saída de Abraham Weintraub do MEC e a passagem relâmpago de Carlos Alberto Decotelli pelo ministério. Por fim, o quarto tema que ensejou críticas do JN ao governo foi a questão da democracia, ameaçada pelas ações  do  presidente  e  de  seus seguidores.

Gráfico 1. Cobertura de Política

Gráfico 2. Cobertura de Política por minutos

O JN e o confronto simbólico

Comecemos relembrando que, logo no início do mês, o JN teceu uma série de críticas à maneira como o governo estava contabilizando (e divulgando) as informações sobre mortos e contaminados pelo novo Coronavírus. Após dias de críticas diretas e recorrentes à mudança nas divulgações dos dados, o JN anunciou que os principais veículos de imprensa do país estariam agora trabalhando em uma frente única para a divulgação desses dados.

“Veículos de comunicação formam parceria pela transparência dos dados” foi o mote da força-tarefa criada. E esse mote é explicado no jornal de forma didática: jornalistas do G1, o Globo, EXTRA, Estadão, Folha e Uol passariam a coletar, nas secretarias de Saúde, os números de mortos e contaminados pela COVID-19. Os números repassados seriam, então, provenientes desse trabalho de coleta.

Com essa união, seguiu-se uma situação peculiar durante todo o mês de junho: na mesma edição, o jornal anunciava os números repassados pelo Ministério da Saúde e também os números coletados pelo consórcio da imprensa.

Gráfico 3. Cobertura de Economia

Gráfico 4. Cobertura de Economia em minutos

As rachadinhas de Flávio Bolsonaro em evidência

O segundo tema que vale destacar na cobertura de junho do JN é a prisão de Fabrício Queiroz, ocorrida no dia 18. Queiroz foi achado na casa de Frederick Wassef, advogado ligado à família Bolsonaro. No dia da prisão, o JN dedicou uma edição quase inteiramente voltada para o caso: foram 40 minutos de matérias, contra 6 minutos de informações sobre a pandemia do novo coronavírus.

Nessa edição, matéria após matéria, o JN contextualiza o espectador a respeito da posição de Queiroz na vida pessoal e política tanto de Flávio Bolsonaro quanto de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Essa é, justamente, a cadeia interpretativa sugerida pelo jornal em grande parte da narrativa sobre Queiroz: o preso é ex-assessor de Flávio Bolsonaro, implicado no esquema de rachadinhas e filho do presidente.

Ao advogado Frederick Wassef, dono do imóvel em que Queiroz foi encontrado, em Atibaia (SP), a associação com a família Bolsonaro também é feita de maneira contundente. Em especial, sua relação próxima com o presidente é ressaltada inúmeras vezes.

Para ilustrar essa questão, relembramos o resultado de uma pesquisa apresentada no JN do dia 26 de junho: “Datafolha: 64% acham que Bolsonaro sabia sobre paradeiro de Queiroz e 21% acham que presidente não sabia”. O direcionamento da pergunta – sobre especular se o presidente sabia ou não onde estava Queiroz – já implica reconhecer que há proximidade entre os dois. O resultado, em que a maioria acha que Jair Bolsonaro sabia, sim, do paradeiro do ex-assessor, reforça a pertinência dessa associação.

Gráfico 5. Cobertura de Governo Federal

Gráfico 6. Cobertura de Governo Federal em minutos

Educa o quê?

No mesmo dia em que a prisão de Queiroz foi noticiada, houve também uma outra situação que colocava o governo no horizonte de avaliações negativas: a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação. Com seu histórico de polêmicas, Weintraub ganhou uma retrospectiva no JN, que fez questão de relembrar alguns de seus episódios mais vexatórios na condução da pasta – incluindo erros de português cometidos em mídias sociais e o caso em que o então ministro se posicionou de maneira racista em relação aos chineses.

Weintraub continua sendo um personagem com contornos negativos, mesmo após seu desligamento. Isso ocorre porque o JN fez diversas referências à decisão do STF pela continuidade de Weintraub como investigado no inquérito das Fake News.

Na sequência dos dias, ainda no contexto do Ministério da Educação, ganhou destaque os atropelos de Carlos Alberto Decotelli, anunciado como novo ministro. Decotelli foi apontado como o novo ministro da Educação pelas mídias sociais do presidente Bolsonaro, mas, diante das controvérsias em que estava envolvido, ele sequer chegou a assumir o cargo. De acordo com o que foi mostrado no JN, Decotelli teve seu currículo questionado – especificamente, com um pós-doc negado, uma tese de doutorado reprovada e uma acusação de plágio em sua dissertação de mestrado.

Esses questionamentos geraram uma série de constrangimentos e, depois dos atropelos, exposições e desmentidos, Decotelli pediu demissão no dia 28 de junho. O anúncio do novo ministro – Renato Feder – só seria feito em 3 de julho. Mas, é interessante lembrar que, no dia 23 de junho, o JN anunciou a reunião de Bolsonaro com Feder, à época o Secretário de Educação do Paraná. O encontro aconteceu antes mesmo do anúncio de que Decotelli assumiria a pasta, ocorrido em 25 de junho.

Gráfico 7. Cobertura de Jair Bolsonaro

Gráfico 8. Cobertura de Jair Bolsonaro em minutos

A tênue linha da solidez democrática

Por fim, outro tema que marcou a cobertura do JN em junho foi a defesa da democracia. O jornal começou o mês colocando em evidência o conteúdo de mensagens do ministro do STF, Celso de Mello. Nessas mensagens, Mello comparava a situação atual do país à ascensão de Adolf Hitler, na Alemanha. As declarações foram feitas, de acordo com o jornal, antes de uma manifestação de apoiadores do presidente, em que pediam por “medidas inconstitucionais”. Nos termos do próprio JN: intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF.

A pauta de atitudes antidemocráticas, sendo relacionada tanto com o presidente quanto com seus apoiadores, voltou ao JN em diversos momentos ao longo do mês. Elas apareceram de três maneiras principais: 1) através de pronunciamentos de membros do Congresso e do STF, que se colocaram veementemente contrários a posicionamentos antidemocráticos de alguns seguidores do presidente Jair Bolsonaro. Nesses pronunciamentos, sempre há o repúdio a essas manifestações antidemocráticas e também a necessidade de deixar claro que o país está alinhado com valores democráticos; 2) noticiando manifestações antidemocráticas puxadas por apoiadores do governo, ressaltando a presença do presidente e de membros do seu governo em algumas delas; 3) destacando ato político realizado pela internet, que colocava em foco as falas e atitudes do presidente que são classificadas como antidemocráticas.

Em  relação ao último ponto, vale destacar algumas questões. Tratou-se de matéria sobre um ato do movimento “Direitos Já”. Nela, relatou o jornal, políticos e personalidades se reuniram em defesa da democracia. Não se falou especificamente sobre partidos ou tendências ideológicas – embora a lista de pessoas que assinaram o manifesto do movimento inclua Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Flávio Dino (PCdoB). A única fala que aparece na matéria é do sociológico Fernando Guimarães Rodrigues, que encabeça o movimento e é ex-filiado ao PSDB.

Conclusões

No mês de junho, o JN reafirmou sua postura crítica em relação ao governo Bolsonaro. Essa postura foi respaldada, inicialmente, pela má condução do Ministério da Saúde em relação à publicização dos casos de COVID-19 e números de mortos, gerando um embate simbólico que pôs em xeque a confiabilidade das informações repassadas pela pasta. Ao longo de todo o mês, os dados de mortos e infectados foram veiculados de maneira duplicada: o levantamento feito pelo consórcio de imprensa e o realizado pelo Ministério da Saúde.

Por outro lado, é válido pontuar que esse embate, do ponto de vista da prestação de serviços e reivindicação de pautas do bem comum, que a mídia proclama perseguir, não envolveu críticas diretas ao fato de a pasta ainda ser comandada por um ministro da Saúde interino – o general Eduardo Pazuello. Em plena pandemia, a falta de nomeação de um ministro oficial para o Ministério da Saúde só foi lembrada uma vez ao longo de todo o mês.

A partir do meio de junho, outras duas notícias abriram mais o espaço para críticas. A primeira foi a prisão de Fabrício Queiroz, que recebeu destaque de quase uma edição inteira do jornal e, nos dias sequentes, foi desdobrada em diversas matérias mostrando as relações próximas do preso e a família Bolsonaro – tudo envolvido por esclarecimentos frequentes a respeito do que são as rachadinhas, quando e onde aconteciam. Esses esclarecimentos são importantes de serem destacados, do ponto de vista da cobertura midiática, porque seguem uma gramática didática em que se associa com mais clareza atos de corrupção a personagens políticos específicos.

Já a saída de Abraham Weintraub, do MEC, também no meio do mês, alavancou críticas ao governo principalmente ao insinuar uma falta de organização e planejamento nessa pasta. Weintraub saiu sendo apontado como envolvido no inquérito das Fake News, deslizes ortográficos, e descumpridor das novas regras básicas de distanciamento social. Para completar, seu sucessor não prosperou. Carlos Alberto Decotelli não chegou a assumir oficialmente o Ministério da Educação; seu currículo foi exposto a uma série de inconsistências, o que fez Decotelli recuar.

E a última via de críticas ao governo foi pavimentada pela falta de comprometimento democrático de Bolsonaro, assim vista pelo jornal. Ao longo do mês, o JN subiu o tom na associação entre Bolsonaro e a postura antidemocrática assumida por seus seguidores mais salientes: esse assunto permeou as notícias do jornal em falas de políticos, esclarecimentos de decisões do STF e publicização de atos reprováveis de apoiadores do presidente.

Em suma, o noticioso mais popular do Grupo Globo reafirma sua posição de  crítica a Bolsonaro e a parte  de  seu  governo, passando inclusive a utilizar mais  frequentemente o recurso da editorialização por parte  dos âncoras, comportamento que adotam somente quando querem adicionar  um tom  dramático de  gravidade  ao  noticiário. Com a editorialização, a cobertura  assume uma feição explicitamente politizada, que é em geral evitada pelo JN.

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Por Clara Câmara, João Feres Junior e Eduardo Barbabela

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