O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Boletim 5 – Pandemia, Reformas e Militares no governo

Neste Boletim M, a equipe do Manchetômetro apresenta uma análise dos editoriais publicados nos grandes jornais brasileiros em julho de 2020, que corresponde ao décimo nono mês de governo Bolsonaro. Você pode ouvir o Podcast sobre esse boletim também ou acessar os boletins anteriores.

O GLOBO

Durante o mês de julho, O Globo criticou as ações do governo em três grandes temas: o combate à pandemia, a economia e também o processo das fake news. Além de críticas a como o governo lidou com a pandemia, o que tem sido recorrente no jornal, neste mês, O Globo focou em recriminar a flexibilização improvisada no país e as atitudes de alguns cidadãos que insistiram em se aglomerar e colocar toda a sociedade em risco no novo momento da pandemia. Assim, a responsabilidade de cuidar da saúde pública não seria apenas das instituições, apesar de o presidente Bolsonaro ser um exemplo negativo, mas dos próprios indivíduos. As críticas ao governo foram mantidas nesse mês, com o Exército Brasileiro sendo acusado de arriscar manchar sua imagem ao apoiar e fazer parte um governo que não atua para limitar os efeitos de uma epidemia histórica.

A decisão de Alexandre de Moraes de bloquear perfis bolsonaristas e petistas e também o Projeto de Lei (PL) das Fake News teve muito destaque nos editoriais. Um dos textos critica o uso pelo presidente de dinheiro público para manter o gabinete do ódio em ação e da máquina pública para defender os seus apoiadores. O jornal também aproveita para defender a missão do jornalismo de checar informações e filtrar as mensagens que chegam ao público. Além disso, o PL das fake news é defendido como um mecanismo para modernizar a legislação e não como instrumento para  prejudicar as empresas de tecnologia.

No âmbito da economia, a importância das reformas, principalmente a tributária, é destaque. Para o jornal esse é um ótimo momento para o governo atuar em conjunto com o Legislativo, principalmente dada a urgência da reforma tributária para modernizar os tributos e salvar empregos no país. Os reflexos da crise ambiental para o agronegócio também são objeto de preocupação. A proposta bolsonarista de exploração maciça e destruidora do meio ambiente é criticada principalmente com o possível boicote aos produtos brasileiros no exterior, caso a devastação não seja estancada.

ESTADÃO

Como é possível observar nos gráficos acima, houve uma redução a cobertura negativa da política e da econômica no Estadão desde maio. O jornal, no entanto, não deixou de rechaçar o descaso do Presidente com o enfrentamento da pandemia; no entanto, a conversa deslocou-se para uma perspectiva de como encarar os impactos deixados pela crise sanitária no país. Apesar disso, notamos a redução na abordagem da pandemia da Covid-19.

Além da queda do enquadramento negativo, o gráfico da cobertura da economia convergiu para uma representação mais ambivalente da situação do país. Em uma análise geral, o jornal compreendeu que a pandemia do novo coronavírus agravou a crise econômica na qual o país já estava imerso anteriormente. Em contraste com as projeções devastadoras do início da pandemia, as avaliações do desempenho econômico assumiram um tom mais esperançoso no mês de julho. Apesar do reconhecimento de que a economia deve encolher em 2020, os editoriais ressaltaram a melhoria no desempenho de setores como indústria e comércio. Se por um lado os sinais apresentam melhoras, por outro, há uma inquietação com a falta de planos do governo federal para a retomada da economia.

O agronegócio e a tensão com a política ambiental do governo federal saíram um pouco de cena em relação ao mês anterior. Ainda assim, o Estadão manteve elogios ao setor. O jornal defendeu o agronegócio, por sua eficiência e produção e, ao mesmo tempo, lembrou do compromisso do setor com a preservação ambiental. Logo após a revista Science ter lançado o estudo apontando a contaminação das exportações de soja e carne pelo desmatamento, foi publicado editorial defendendo a rentabilidade do setor e criticando a política ambiental do governo federal por não compreender a real importância do agronegócio.

Outro tema subjacente nos editoriais foi a preocupação com a relação do governo federal com o legislativo. Segundo os editoriais, é impossível compreender os rumos do governo Bolsonaro, até mesmo para sua base paramentar mais fiel. Nesse sentido, destacou-se o episódio da votação do Fundeb, em que o Presidente comemorou a aprovação do Fundeb, após ter orientado sua base em contrário. Com a pauta da reforma tributária ganhando espaço, foi possível perceber uma apreensão no mesmo sentido. O jornal pontuou a falta de disposição do executivo em arregimentar apoio no Congresso para discussão da reforma. Além disso, o Estadão desaprovou a proposta apresentada pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, acusando o governo federal e Guedes de renunciarem papel central no andamento da reforma.

FOLHA

Chamou atenção a retomada do crescimento de ocorrências negativas para política nos editoriais de julho e a grande diversidade de assuntos abordados ao longo do mês, como o foro privilegiado de Flávio Bolsonaro, o conflito entre Lava jato e Augusto Aras, a Lei de segurança nacional, o  Projeto de combate a Fake News, a recessão econômica e o  dólar alto, Tucanos na mira da Lava Jato e a gestão de deputado de Jair Bolsonaro.

Embora perdendo espaço, a pandemia foi retratada na Folha de duas maneiras: panoramas sobre a situação no Brasil e no mundo, responsabilizando no caso nacional a gestão “ruinosa da crise”.  — com destaque para o negacionismo e a ausência de um titular no ministério da saúde, também com críticas sobre as reaberturas, especialmente de São Paulo. Segundo o jornal não havia respaldo científico para as decisões, já que faltariam testes. Sobre a propaganda feita pelo presidente da hidroxicloroquina, a Folha afirmou não ser o comprimido capaz de “remediar tamanha alienação diante do sofrimento alheio”.

Sobre a economia, a Folha criticou o posicionamento do Planalto de propor a destinação de recurso do fundo para o Renda Brasil, visto que isso seria uma manobra para driblar o teto de gastos. O jornal ampliou a crítica acusando o governo de sofrer uma metamorfose, entre a equipe econômica que louvava o teto para um comportamento “neoconvertido ao assistencialismo estatal”, já que costumavam considerar eleitoreiros e até socialistas os programas de transferência de renda existentes. O jornal defendeu a importância de programas sociais de transferência direta de renda, inclusive enfatizando que o auxílio emergencial reduziu a extrema pobreza. Mas para colocar esses planos em prática seria primordial “racionalizar o Orçamento de forma a manter de pé o teto” e realizar reformas como a tributária.

Outra temática criticada foi a presença de militares na política. A reprovação foi tamanha que o jornal endossou a proposta de Rodrigo Maia de impedir por emenda constitucional que militares da ativa ocupassem cargos civis. A presença de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde foi representada como uma “sucursal da caserna”. Além de ser militar e obedecer a “ordens exóticas” de Bolsonaro, a ausência de um titular na pasta simbolizava a dificuldade de profissionais qualificados em se aliar ao governo federal, já que o presidente insistia em um “negacionismo irracional, obsessão por cloroquina e manipulação de dados”. Sobre o meio ambiente, o jornal foi crítico em relação a Ricardo Salles, mas o ponto principal foi a militarização das ações de combate ao desmatamento e às queimadas. Segundo a Folha, o problema central seria a doutrina militar, considerada fantasiosa, de que a pressão internacional pela preservação esconderia uma medida protecionista de outros países contra o agronegócio nacional. Em suma, a militarização da política seria ruim paro o governo, para as forças armadas, para o combate a pandemia, para preservação do meio ambiente e para a democracia

VALOR

Nos editoriais do mês de julho, o Valor Econômico observou com preocupação a economia no pós-pandemia. Em comparação ao mês anterior, em que a preocupação girava em torno da recessão durante a pandemia, o Valor começou  a identificar, com cautela, alguns indicadores positivos, sempre reafirmando a importância das reformas econômicas. Apesar de alguns sinais otimistas, como as novas projeções para o PIB deste ano, a recuperação da economia possivelmente ainda seria lenta, a evolução da pandemia e a falta de uma política nacional de enfrentamento da doença, colocariam em dúvida as projeções mais otimistas. O jornal também demonstrou preocupação com a saúde das empresas, devido à persistência da crise, e principalmente, com o mercado de trabalho. O consumo privado, que vinha impulsionando o PIB, não contaria futuramente como sustentação, tornando lenta a recuperação.

Durante o mês, o jornal insistiu na ideia que seria necessário “garantir os meios para, em seguida, definir os benefícios” a serem prestados pelo governo. Somente assegurando esses meios a partir de reformas econômicas, como a tributária, seria possível reverter as desigualdades sociais evidenciadas pela pandemia de forma sustentável. Tal como foi feito com as despesas do governo federal, seria importante fixar um teto para a carga tributária brasileira. Essa medida, caracterizada como “uma via difícil, politizada, cheia de tabus e evitada desde a década de 1990”, teria sobrado como a “saída possível”.

Outro tema destacado nos editoriais foi a Educação. O Valor afirmou que governo perdeu tempo precioso com o que chamou de “duas nulidades anteriores” e defendeu a necessidade de se retomar um caminho positivo para a educação. Houve ainda uma crítica ao Fundeb relacionada ao aumento dos recursos destinados ao pagamento do magistério e dos funcionários da educação – antes 60%, agora 70%. Outra crítica foi o fato de o Fundeb, que até então era provisório, ser inscrito na Constituição. A vinculação ampliaria a parcela já muito elevada dos gastos obrigatórios (90%), o que, segundo o Valor, engessaria ainda mais o orçamento da União.

Por fim, a presença de militares no governo também foi destacada pelo jornal. Na avaliação do Valor, um dos efeitos colaterais do “excesso de militares no governo” seria a “irrelevância do Ministério da Saúde”. O atual ministro da pasta, Eduardo Pazuello, seria um aplicado cumpridor da estratégia do governo de se opor a medidas de contenção da pandemia da covid-19, como o distanciamento social e o uso de máscaras. A atuação de militares no Meio Ambiente, com o vice-presidente Hamilton Mourão chefiando desde abril um Conselho da Amazônia composto por 19 militares, também foi criticada. Segundo o Valor, as impressões de fiscais que participaram das primeiras ações seriam negativas e levantariam a suspeita de que seriam uma medida “para inglês ver”.

CONCLUSÃO

Conforme demonstramos, a cobertura dos jornais impressos em julho se pautou em três temas principais: a pandemia, as reformas e a presença excessiva de militares no governo. A flexibilização do isolamento e a reabertura do comércio foram criticados pela falta de garantias para a proteção da população. A falta de um ministro da saúde também foi relembrada como um ponto negativo no combate a Covid-19 pelo governo federal que também teria no presidente um representante da desinformação e do descaso da administração Bolsonaro com a pandemia.

A economia também foi muito debatida nos jornais, que aproveitaram a oportunidade para, mais uma vez, defender as reformas do Estado. A reforma tributária foi amplamente recomendada pelos editoriais, que também se  preocuparam em louvar o agronegócio brasileiro contra um governo que prejudicaria o setor ao não defender a preservação do meio ambiente. O desmatamento e as queimadas recorrentes na Amazônia refletiram em questionamentos de atores internacionais sobre o interesse do país em preservar o meio ambiente e resultaram em um alerta sobre possíveis boicotes aos produtos brasileiros caso o desmatamento continuasse.

Por fim, os jornais criticaram a presença excessiva de militares no governo Bolsonaro, com atenção especial para o caso do ministro da Saúde interino, Eduardo Pazuello, acusado de estar no cargo apenas para obedecer as ordens do presidente. A crítica de Gilmar Mendes aos militares no Ministério da Saúde também foi explorada. Segundo os jornais, tal comportamento da corporação militar redundaria em perda de credibilidade perante a população.

Em suma, os jornais continuaram a criticar o governo Bolsonaro, mas inseriram novas questões na SUA agenda. Na saúde pública, fortaleceram a importância de uma flexibilização consciente tanto do poder público como da sociedade. Já na economia, discutiu-se a importância de reformas que supostamente garantissem estabilidade financeira ao Estado, sempre preocupados com a redução do gasto público. Além disso, os militares foram finalmente criticados por fazerem parte do governo e chancelarem ações e posicionamentos que colocam em risco não apenas o combate à pandemia, mas a retomada econômica do país.

Por Eduardo Barbabela, Mariane Matos, Lidiane Vieira, Luiza Medeiros e João Feres Júnior

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