O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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As Cúpulas do BRICS na grande mídia brasileira

Sessão Plenária da XI Cúpula de Lìderes do BRICS. Foto: Arthur Max/MRE

A VI Cúpula dos BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada em 2014 em Fortaleza foi marcada pela criação do Novo Banco do Desenvolvimento do BRICS. Essa empreitada, liderada pelas principais potências emergentes mundiais, foi vista como promissora à época, e uma alternativa às imposições draconianas de ajuda financeira impostas pelo Fundo Monetário Internacional.

Quando da criação do BRICS, em 2006, o Brasil adotou uma política de multilateralismo universal, na qual se colocou como protagonista em diversas agendas internacionais, abandonando a postura mais defensiva de governos anteriores. O país assumiu papel de mediador entre o eixo Norte e Sul, além de representante do Sul Global. Em uma busca de afirmar sua relevância perante a comunidade internacional, e tentar contrabalançar a hegemonia norte-americana, as negociações e fortalecimento dos BRICS foi ponto crucial da agenda de política externa brasileira durante a gestão Dilma Rousseff.  Contudo, o posicionamento brasileiro na geopolítica internacional mudou significativamente após o início do governo de Jair Bolsonaro.

A estratégia de inserção internacional adotada por Bolsonaro rompeu com o padrão de soft power adotado pelo Brasil no âmbito de sua política externa, caracterizado por um diálogo com as grandes potências mundiais e uma maior neutralidade no cenário internacional. Membros da diplomacia e do governo Bolsonaro, a exemplo do Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, manifestaram-se favoravelmente a um alinhamento com o governo dos Estados Unidos e seu presidente Donald Trump, posição esta que resultou em diversos episódios de tensão com países que compõem o BRICS, notadamente a China. 

A política externa de um país não existe no vácuo. Pelo contrário, ela é lastreada nas orientações ideológicas e políticas dos governos e nos interesses mais articulados e poderosos da sociedade civil. Por mais que o debate doméstico sobre política externa esteja longe de ser democrático, é inegável o papel da imprensa como canal de expressão e informação das elites engajadas em sua formulação. 

No presente trabalho procuramos avaliar a diferença no tratamento oferecido pela grande mídia brasileira à Cúpula do BRICS realizada no Brasil durante o governo Dilma Rousseff (VI Cúpula) e a mais recente realizada durante o governo Jair Bolsonaro (XI Cúpula), analisamos as capas e as páginas de opinião (editoriais, artigos e colunas) dos jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo nos dias de realização desses eventos.

CAPAS E MANCHETES

A VI Cúpula do BRICS, em 2014, na qual foi assinado o acordo de formação do Novo Banco do Desenvolvimento, estampou as capas e as manchetes de todos os jornais analisados nos três dias em que se deu o evento. O contexto político da época foi marcado pela crise da Rússia com a União Europeia, que então reagia à interferência armada daquele país na Ucrânia. É digno de nota o fato de a VI Cúpula ter recebido tamanha atenção pois ela ocorreu concomitantemente a um evento internacional de grandes proporções: a Copa do Mundo de futebol, realizada também no Brasil.

A cobertura do encontro na imprensa deu relevância à “derrota” do Brasil em sua pretensão de presidir o banco do BRICS. Os meios noticiaram que o governo brasileiro teve que “abrir mão da presidência” em favor da Índia, para que a criação do banco fosse efetivada. Em grande parte das matérias a derrota é atribuída não só ao Brasil, mas à presidente Dilma Rousseff, como podemos ver nos seguintes trechos das capas do Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, ambos do dia 16 de julho de 2014: 

IMAGEM 1 – CAPAS ESTADO DE SÃO PAULO E FOLHA DE SÃO PAULO (16/07/2014)

Fonte: Acervos Digitais/Manchetômetro (2020)

Durante a presidência de Dilma Rousseff, o encontro do BRICS foi percebido pelos jornais como uma aliança de países que tinham em comum a antipatia ao governo norte-americano e almejavam construir uma alternativa a seu poder geopolítico. Ao rebaixar a ação concertada dos países a um aspecto de revanche ideológica, a imprensa deixou de levar em consideração seus interesses legítimos de busca de protagonismo no cenário internacional, esvaziando o conteúdo político e econômico do BRICS. 

Já no governo Bolsonaro, a XI Cúpula do BRICS (2019) não recebeu atenção. A maioria das capas não cita o nome do presidente, embora ele tenha participado do encontro que ocorreu em Brasília, atribuindo as negociações somente ao seu Ministro da Economia, Paulo Guedes. O protagonismo de Guedes e a ausência de Bolsonaro na cobertura indicam a centralidade da agenda econômica nas relações exteriores deste governo, uma tendência desde a administração Michel Temer. A diminuição do peso do Brasil na reunião e no cenário internacional fica evidente na capa do dia 14 de novembro de 2019, que contém a seguinte nota: Na foto da qual participam os integrantes do BRICS, o Brasil aparece no cantinho. Diante da velocidade das mudanças lá fora, o país perdeu importância e liderança regional e parece perdido na busca de seu papel.

IMAGEM 2 – CAPA ESTADO DE SÃO PAULO (14/11/2019)

Fonte: Acervos Digitais/Manchetômetro (2020)

PÁGINAS DE OPINIÃO: ARTIGOS E EDITORIAIS

Analisando as páginas de opinião publicadas nos dias 15, 16 e 17 de julho de 2014, período que ocorreu a VI Cúpula do BRICS com Dilma Rousseff, percebemos que os jornais se dividiram na cobertura. Enquanto o Estado de São Paulo fez a cobertura mais extensa sobre a VI Cúpula, abordando dois dos três dias do encontro, O Globo e Folha de São Paulo optaram por mencionar o evento somente no último dia em 17 de julho.

Nos textos onde há menções à VI Cúpula, a interpretação é majoritariamente favorável. Nenhum jornal citou o fato de o Brasil ter “aberto mão” da presidência do Novo Banco de Desenvolvimento ao contrário do observado nas manchetes. Em editorial, o Estado de São Paulo ressaltou que nenhuma das questões da atualidade foi omitida na reunião, que abordou temas da economia ao meio ambiente. No mesmo texto, o jornal faz duras críticas aos regimes chinês, russo e indiano no tocante à liberdade de expressão e à violência contra a população, apresentando como contraponto a democracia brasileira e a presidente Dilma Rousseff, ao dizer que apenas o Brasil e África do Sul têm líderes à altura de suas democracias6

Como podemos observar as avaliações do governo brasileiro mudam conforme o parâmetro adotado. O governo Dilma foi mal avaliado na economia, mas o regime político foi elogiado. Outro ponto que merece atenção é a ausência da classificação “bolivariana” das relações exteriores associada a governos petistas e frequente na cobertura midiática. 

IMAGEM 3 – EDITORIAL ESTADO DE SÃO PAULO (17/07/2014)

Fonte: Acervos Digitais/Manchetômetro (2020)

Os artigos de opinião publicados durante a XI Cúpula do BRICS (2019), por sua vez, mostram a saída do BRICS da agenda midiática. O encontro, realizado sob a presidência de Jair Bolsonaro, reuniu os líderes dos cinco países membros, incluindo o russo Vladmir Putin e o chinês Xi Jinping. A falta de proximidade do presidente com seu homólogo chinês e os impasses diplomáticos com o país asiático não foram mencionados pela grande imprensa.

A Cúpula de Bolsonaro não ocupou espaço nas páginas de opinião embora tenha sido realizada no Brasil. Somente o Estado de São Paulo citou o início do evento em artigo sobre segurança cibernética. Diferentemente de Dilma, Bolsonaro não é colocado como protagonista dos encontros diplomáticos e também não é responsabilizado pelos resultados alcançados pelo Brasil na Cúpula como, por exemplo, a assinatura da Declaração de Brasília. Merece atenção o foco oferecido pelos jornais sobre a relação comercial entre Brasil, mais representado por Paulo Guedes do que por seu presidente, e China. 

CONCLUSÃO

A VI Cúpula do BRICS realizada durante o governo Dilma Rousseff recebeu mais destaque na imprensa brasileira do que a XI Cúpula sob o governo Bolsonaro. A presidente Dilma Rousseff aparece com bastante protagonismo e é foco de duras críticas. Por outro lado, é perceptível uma condescendência por parte dos jornais analisados em aceitar a postura apática do presidente Bolsonaro perante as tomadas decisão durante a XI Cúpula do BRICS. 

A comparação entre esses dois eventos nos permite constatar que a mídia usou a cobertura da cúpula de 2014 como motivo para atacar Dilma Rousseff, a despeito da importância do assunto discutido. Por outro lado, seu silêncio perante a cúpula de 2019 funciona como um apoio tácito à posição da política externa do governo Bolsonaro de alinhamento automático com os interesses dos Estados Unidos. Se a mídia viu com desconfiança e desprezo a aposta no fortalecimento do Sul Global levada a cabo pelos governos petistas, agora trata com benevolência iniciativas como a de Bolsonaro fazer diversas concessões ao presidente Trump para obter seu apoio à candidatura brasileira à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), ainda que nenhum resultado positivo tenha sido até agora obtido.  

¹ Advogada, Mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pós Graduada em Ajuda Humanitária e ao Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 

 

Por Luíza Duque¹ e João Feres Jr.

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