O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Boletim Editoriais 6 – Pandemia, Reformas e Bolsonaro

Neste Boletim M apresentamos uma análise dos editoriais publicados em O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Valor Econômico durante julho de 2020, que é o décimo nono mês do governo Bolsonaro.

O GLOBO

No mês de agosto os editoriais de O Globo focaram três grandes temas: o bolsonarismo, a economia e a pandemia da Covid-19. As consequências das ações políticas do governo Bolsonaro foram muito exploradas durante o mês de agosto. Os editoriais abordaram temas como as consequências deletérias das políticas ambientais para a economia brasileira ou o dossiê do Ministério da Justiça. Os textos também focaram no próprio Jair Bolsonaro e em seu tino político, que é tido como eficaz pelo jornal para alcançar o objetivo principal do presidente: melhorar a imagem de sua gestão para construir bases para sua reeleição em 2022. Nesse sentido, O Globo continuou a comparar Bolsonaro a Lula. No entanto, pela primeira vez, o jornal encampou a ideia de que qualquer conversa de aliança democrática contra a escalada autoritária de Bolsonaro depende da participação do PT.

A economia também foi assunto recorrente em repetidos textos que defenderam a importância das reformas administrativa e tributária. O jornal insistiu que a situação das contas públicas teria se deteriorado com a pandemia e defendeu serem as reformas essenciais para reduzir as desigualdades no pais e fortalecer sua imagem junto aos mercados, que já não mais acreditariam no interesse do governo brasileiro em realizar medidas como privatizações para reduzir os gastos estatais. Para O Globo, um programa de renda básica só poderia ser viável financeiramente após uma reforma administrativa e corte dos gastos públicos.

A pandemia foi tema importante no mês em que o país alcançou a triste marca de 100 mil mortos pelo coronavírus. O jornal foi contundente em criticar o governo Bolsonaro por criar crises sanitária, política e econômica durante a pandemia. O Globo também discutiu a importância de se pensar melhor os processos de flexibilização do isolamento para garantir maior segurança e evitar cenas como as vistas nas praias lotadas do Rio de Janeiro. Além disso, o jornal apontou para importância de se pensar medidas para proteger áreas como a cultura e a hotelaria dos efeitos econômicos da pandemia.

ESTADÃO

O mês de agosto no Estadão se caracterizou pela estabilidade da cobertura política, sobretudo em relação ao mês de julho. A valência negativa dos enquadramentos atingiu seu pico em maio e desde junho esteve em queda. No que toca a pandemia do novo coronavírus, o jornal mostrou bastante preocupação com suas consequências para a economia. A desaprovação do comportamento de Jair Bolsonaro no enfrentamento da crise sanitária provocada pela Covid-19 foi outro ponto de continuidade.

Duas novas preocupações assumiram importante espaço nos editoriais do Estadão: o uso da pandemia como desculpa para mexer no teto de gastos e o auxílio emergencial como responsável pela escalada da aprovação do governo Bolsonaro. As reformas e privatizações prometidas pela equipe econômica de Paulo Guedes foram destaque por todo o mês. Os editoriais se concentraram em três motivos de frustração em relação ao governo federal: primeiramente, no início mês, houve insatisfação com a reforma tributária apresentada, principalmente no que diz respeito ao que seria a nova CPMF; em seguida, em meados do mês, os textos manifestaram incômodo em relação à pouca disposição da equipe econômica de realizar as reformas prometidas por Bolsonaro; e, ao final agosto, o protelamento das reformas foi vinculado, por eles, ao desprezo do governo federal pelo equilíbrio fiscal.

Os gráficos ilustraram o descontentamento do Estadão com o [não] andamento das reformas. É evidente que as curvas da cobertura da economia denotam aumento significativo da negatividade. Ainda no tópico econômico, o Estadão encontrou espaço para pleitear que o redesenho do financiamento do SUS faça parte das reformas estruturantes.

A cobertura do Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais restrita ao longo desse mês foi em grande medida positiva. Dois acontecimentos marcaram a posição do jornal: o dossiê produzido por órgão do Ministério da Justiça a respeito de servidores públicos supostamente integrantes de movimentos antifascistas; e, o decreto presidencial que alterou a estrutura da Abin. Em ambos os casos, o Estadão ressaltou a atuação assertiva do judiciário federal na ratificação do respeito à Constituição, ao mesmo tempo que lamentou que o poder executivo viesse tornando a necessidade dessa atuação corretiva cada vez mais frequente.

FOLHA

“O maior responsável pela tragédia se chama Jair Bolsonaro”. Foi assim que a Folha de S. Paulo lamentou a marca de 100 mil mortos pela covid-19 no Brasil. A ausência de um líder nacional se somou à falta de um ministro da saúde. A Folha ainda enfatizou a existência de recursos e do SUS para investir em prevenção e ações coordenadas contra o vírus. A respeito de Jair Bolsonaro, o jornal relembrou a postura negacionista, a participação em aglomerações e a propaganda da cloroquina, além da demissão de dois ministros da saúde. Além da pandemia, o jornal tratou das reformas, defendeu com obstinação a manutenção do teto de gastos, ponderou sobre a Lava Jato sem deixar de proteger seu legado, posicionou-se favoravelmente ao aborto, criticou a criação do TRF-6, refletiu sobre a reabertura das escolas em São Paulo e se opôs a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

Reconhecido apoiador da operação Lava Jato, o jornal relativizou alguns comportamentos da operação. O reconhecimento dos abusos cometidos pelos investigadores não afetou a reputação dos “resultados positivos” da operação, segundo os editoriais. As propostas de Aras não receberam apoio, pois foram vistas como promotoras de maior concentração de poder. Até Sergio Moro foi posto sob juízo, pois, ao participar do governo, manchou a reputação da operação ao vincular o ímpeto anticorrupção com interesses políticos. Esta ressalva, já havia sido feita em novembro de 2018, quando dos primeiros flertes entre Moro e Bolsonaro, mas o cenário mudou com a queda da delação de Palocci e assumiram o aumento de “evidências de erros de procedimento” do juiz. Para a Folha não se tratava de enterrar a Lava jato, mas de depurá-la.

Quem acompanha o boletim sabe que as reformas são tema certo na Folha, que defendeu a criação de pequenos consensos, começando pela simplificação dos cinco tributos hoje incidentes sobre o consumo. Por outro lado, o retorno da CPMF poderia tornar as negociações mais custosas, especialmente pela memória negativa a ela atrelada. Guedes voltou ao centro do debate e recebeu cobertura ambivalente: ao mesmo tempo que foi considerado cheio de fragilidades, não foi responsabilizado pelo parcial fracasso econômico que levou à debandada na pasta. Segundo a Folha, a “agenda de intenções” de Guedes aproximava-se do “que o Brasil precisa para voltar a crescer”. A responsabilidade seria do presidente, que defenderia as reformas de Guedes apenas “da boca pra fora” ao passo que abre espaço para as “forças do atraso, da irresponsabilidade fiscal e do corporativismo”.

O teto de gastos também foi defendido pela Folha como a estratégia que impediria a “volta da instabilidade financeira, inflação e juros em alta”. O jornal apresentou as reformas como solução para conter o crescimento das despesas obrigatórias, dando maior margem para a gestão do recurso, “com crescimento e justiça social”. O ápice dessa pregação se deu com o editorial “Jair Rousseff”, no qual os dois presidentes – Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff – foram equiparados na sua suposta irresponsabilidade fiscal.

VALOR

Desde o início das discussões entre o Executivo e o Congresso em torno das reformas tributária e administrativa, a cobertura do Valor Econômico foi marcada pela posição favorável à ambas, e neste mês não foi diferente. Os editoriais de agosto mostraram a intensificação das preocupações em torno do andamento dessas duas reformas, bem como da manutenção do teto de gastos implementado durante o governo de Michel Temer.

Como observado nos meses anteriores, a preocupação do jornal continuou sendo a postura esquiva de Bolsonaro no que toca as reformas propostas pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes. Na avaliação do jornal, ao aproximar-se do Centrão, Bolsonaro estaria buscando viabilizar suas pretensões eleitorais, ainda que para isso fosse necessário “jogar a austeridade e Paulo Guedes pelos ares”.

Ao longo do mês de agosto, três preocupações foram centrais. A primeira a manutenção do teto de gastos. O Valor expressou desconfiança e descontentamento em relação a Bolsonaro, avaliando que o presidente estaria dando sinais de que pretende seguir com o aumento dos gastos enquanto restringe a atuação de Paulo Guedes no governo. De acordo com o Valor, Guedes deveria recorrer ao Congresso, em especial ao presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, que, se mostrou mais favorável às reformas do que Bolsonaro. As manchetes referentes ao teto de gastos ganharam, neste mês, contornos de alerta, com o Valor enfatizando a importância do teto de gastos para a contenção fiscal e recuperação da economia no pós-pandemia.

A segunda preocupação diz respeito à reforma tributária. O Valor aprovou os esforços do ministro da Economia Paulo Guedes de discutir com os governadores a implementação de uma reforma tributária ampla, que resultaria na proposta de um IVA nacional. Por fim, a última preocupação do jornal foi com o andamento da reforma administrativa. Novamente, o Valor destacou a postura favorável de Rodrigo Maia à proposta, e criticou o adiamento, por parte de Bolsonaro, das discussões em torno da reforma pela aproximação das eleições municipais.

Na avaliação do Valor, a prioridade do presidente, “fora se reeleger, seria defender a corporação de militares e policiais”. Um exemplo disso seria a peça orçamentária de 2021, na qual o orçamento planejado para a Defesa será o segundo maior, com R$ 109,97 bilhões, superando o da Educação, com R$ 101,98 bilhões. Para o jornal, caberia ao Congresso “desentortar o Orçamento, que ignora realidades e é enviesado ideologicamente”.

OS TRÊS JORNAIS

CONCLUSÃO

As coberturas dos jornais apresentaram, durante o mês de agosto, dois temas essenciais: a pandemia e a questão econômica, principalmente no que toca a tão propalada agenda de reformas.

No mês em que o país alcançou a marca de 100 mil mortes, os jornais criticaram duramente Bolsonaro e sua administração por não atuarem para proteger a população, com a demissão de dois ministros da saúde e a manutenção de um interino, além de inúmeras falas contrárias às recomendações de especialistas da área de saúde para prevenir e combater a pandemia do coronavírus, o que prejudicou ações importantes como o isolamento social e resultaram nos péssimos números no país.

Além da pandemia, tivemos a recorrente defesa das reformas do Estado brasileiro, principalmente a tributária e a administrativa. Para tal, os jornais deram crédito a Paulo Guedes e a sua equipe econômica, ao passo que acusaram o presidente de boicotar os esforços de seu ministro da economia. Bolsonaro foi ainda muito criticado por sua atuação eleitoreira, mesmo que a tática para fortalecer a sua imagem tenha sido descrita como eficaz. Para tornar a crítica mais fácil de ser apreendida pelos leitores, os jornais compararam o atual presidente com Lula e Dilma, que já são alvos recorrentes das críticas da grande mídia.

Em suma, os jornais continuaram a narrativa dos últimos meses: defesa de políticas de redução de gastos governamentais e críticas a todos que se opõe a essa narrativa seja, à direita, como Bolsonaro, ou à esquerda.

Por Eduardo Barbabela, Mariane Matos, Lidiane Vieira, Luiza Medeiros e João Feres Júnior

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