O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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A cobertura do governo Bolsonaro no Jornal Nacional 

Gráfico 1. Cobertura de Política

Gráfico 2. Cobertura de Política por minutos

Meio Ambiente no centro do debate

Agosto no JN foi marcado pela pauta ambiental, com destaque para o tratamento positivo dado ao agronegócio. No início do mês, a chamada de uma matéria resumiu o tom do jornal em torno da questão: “O Agronegócio contratou mais do que demitiu em 2020, diz Caged”. Na matéria, mostrou-se que o mercado de trabalho no agronegócio vem caminhando na contramão das demissões, que aumentaram em decorrência da pandemia.

Formou-se, assim, uma narrativa que coloca o agronegócio como parte importante da política ambiental, e como a única parte que está organizada e bem encaminhada no atual cenário. Para reforçar essa ideia, o JN fez uma oposição constante entre narrativas de sucesso do agronegócio e a desorganização do garimpo ilegal.

Expondo ações ilegais de garimpeiros, o JN pontificou que há uma força paralela ao poder legítimo – exercido pelo governo – em alguns estados da região Norte. Essas exposições reforçam a ideia de organização que o agronegócio proporciona, já que partem das empresas as denúncias de que irregularidades estão sendo praticadas. Além disso, tal narrativa que dá centralidade ao agronegócio alimenta a percepção de que o poder legítimo do governo está sendo ineficaz no controle e repressão das atividades ilícitas.

O jornal seguiu o tom crítico à política ambiental do governo, dando destaque particular à maneira como o Ministério do Meio Ambiente estava sendo conduzido – sem preparação estratégica e usando pouco da verba destinada para a pasta.

Gráfico 3. Cobertura de Economia

Gráfico 4. Cobertura de Economia em minutos

As reformas e o JN

Na área econômica, o JN mostrou alinhamento maior com o governo. Nas notícias acerca da reforma administrativa proposta pelo governo, o jornal identificou um dos grandes vilões do Estado: o funcionalismo público. Recorrendo a um levantamento do Instituto Milleninum, o JN mostrou que os gastos com o funcionalismo público representaram quase 14% do PIB – enquanto a saúde pública recebe 4%.

A constatação unilateral mostrada pelo jornal, sem qualquer voz que pudesse apresentar um contraponto, se aproxima da maneira como o governo enxerga a questão. A ideia de uma reforma administrativa, vale lembrar, era promessa de campanha de Bolsonaro.

A sinalização para uma normalidade da economia também esteve presente na cobertura do JN de agosto. O jornal apresentou diversos casos de empreendedores de pequenos negócios que se mostravam mais otimistas, mesmo diante do cenário de incertezas da pandemia. Nos gráficos é possível perceber que há um equilíbrio, na cobertura econômica, entre as valências neutras e negativas. Além disso, as matérias classificadas como positivas também não se distanciam desse equilíbrio.

Gráfico 5. Cobertura de Jair Bolsonaro

Gráfico 6. Cobertura de Jair Bolsonaro em minutos

Presidente, por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira-dama?

O mês de agosto também trouxe um protesto contra o governo que se desdobrou de maneira inusitada. O JN tratou também da repercussão dos depósitos de R$ 89 mil reais em cheques, feitos na conta de Michelle Bolsonaro, por Fabrício Queiroz. O caso dos depósitos foi noticiado, mas foi o seu desdobramento que ganhou mais atenção.

Um repórter do jornal O Globo perguntou ao presidente a respeito do valor dos cheques, mas Bolsonaro afirmou que não iria responder e, depois, o agrediu verbalmente (“Minha vontade é encher tua boca na porrada”). A recusa e a agressão foram o estopim para uma campanha que ganhou as redes sociais digitais – na qual a pergunta do repórter foi repetida de diferentes maneiras, gerando uma infinidade de memes cômicos.

No JN, a reação do presidente foi enquadrada como uma postura autoritária e que não corresponde às práticas democráticas. Como normalmente acontece em casos de ataques à imprensa, o jornal destacou a importância da liberdade dos veículos de comunicação para a manutenção da democracia. Esse discurso é a via de legitimação mais usada pela imprensa em momentos em que se vê atacada.

A crítica à ação do presidente, apesar de válida, também esvazia o teor da denúncia inicial, do depósito dos cheques, pois coloca o foco na agressão sofrida pelo repórter, desdobrada como uma agressão que atinge a imprensa de todo o país. Ainda, ao ecoar a pergunta do repórter como protesto, como ocorreu nas redes sociais digitais, a forma prevalece sobre o conteúdo – ou seja, tornou-se mais importante fazer a pergunta de maneira e em contextos inusitados, do que, de fato, colocar em pauta a gravidade da acusação.

Gráfico 7. Cobertura de Governo Federal

Gráfico 8. Cobertura de Governo Federal em minutos

A cobertura da COVID-19

Outro embate direto do JN com o governo federal foi a respeito do coronavírus – embora a cobertura sobre a pandemia esteja, cada vez mais, perdendo espaço no jornal. Ainda no início do mês, o Brasil atingiu a marca dos cem mil mortos por Covid-19. Ao noticiar o fato, o JN relembrou a Constituição Federal e questionou se o dever do Estado de evitar a proliferação de doenças estava sendo cumprido.

Fazendo uma crítica clara e direta ao governo de Bolsonaro, o JN enfatizou que os governantes precisam ter como objetivo diminuir o risco de doença entre a população. “E não somos nós que estamos dizendo isso. É a Constituição brasileira”, enfatizou William Bonner, em tom solene e em um cenário que tinha imagens das vítimas passando no fundo.

Juntamente com Renata Vasconcellos, sua companheira de bancada, Bonner relembrou os episódios em que o presidente Jair Bolsonaro negou a gravidade da pandemia e se colocou como obstáculo para a implementação de medidas sanitárias necessárias. De maneira performática, os dois posicionaram didaticamente o entendimento de que o presidente agiu de maneira irresponsável e suas atitudes poderiam ser classificadas como afronta à Constituição Federal.

Conclusões

No JN de agosto, as críticas ao governo Bolsonaro foram feitas, principalmente, a partir da pauta ambiental. Tais críticas foram amplificadas pelas recorrentes queimadas que ocorreram no Pantanal e na Amazônia, reverberando o entendimento de que não havia planejamento por parte do governo para conter os danos delas decorrentes. Por outro lado, considerando o agronegócio parte das discussões do Meio Ambiente, mas apelando para o seu caráter econômico, o JN destacou que quase todos os setores da economia brasileira têm sofrido os efeitos da pandemia, menos o agronegócio, que vive uma realidade diferente – e que ele está bem estruturado por iniciativas privadas, e não pelo governo. Isto é, enquanto o jornal acusa o governo por má gestão da política ambiental, isenta o agronegócio de implicação nas queimadas que hoje fazem arder os dois maiores ecossistemas do país.

As críticas ao governo, no entanto, estão sendo amenizadas. Com exceção de episódios pontuais – como o da repercussão dos depósitos de R$ 89 mil em cheques na conta de Michelle Bolsonaro, feitos por Fabrício Queiroz, ou da má administração do governo em relação à pandemia da COVID-19 – o JN tem se colocado de maneira mais neutra. É possível ver isso nos gráficos sobre a cobertura de Política, de Economia, do Governo Federal e de Jair Bolsonaro: o número de matérias neutras está sempre equilibrado com o de matérias negativas.

Por Clara Câmara, João Feres Junior e Eduardo Barbabela

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