O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

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Coberturas contrastantes: Operações da PF nos editoriais

No início de 2024, a Polícia Federal deflagrou a Operação “Vigilância Aproximada” para investigar se houve uso político da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão de Alexandre Ramagem. Na manhã do dia 29 de janeiro, Carlos Bolsonaro foi alvo de busca e apreensão em sua casa de veraneio em Angra dos Reis e no seu gabinete. O Manchetômetro  monitora diariamente a grande imprensa há dez anos, sem interrupção. Este longo percurso nos habilita, a partir de um olhar diacrônico, a identificar alterações no comportamento dos jornais. Nesta Série M, mostraremos a diferença do tratamento que Carlos Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, ambos alvos de Operações da PF, receberam nos editoriais de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Não há dúvidas que para o cenário nacional e para o noticiário os dois personagens, um ex-presidente e um vereador, não possuem o mesmo peso político e relevância midiática. Contudo, por se tratar de um filho de ex-presidente com presença ativa no governo do pai, consideramos a comparação válida. 

Antes de os federais baterem à porta de Carlos Bolsonaro, O Globo e Estadão já haviam se manifestado via editoriais em apoio à Operação. O primeiro alvo da operação era diretor da Abin durante o governo Bolsonaro, por isso os editoriais apresentaram tom ácido a respeito do ex-presidente, relembrando inclusive a fatídica reunião em 2020 que levou à demissão de Sérgio Moro. Segundo o jornal carioca, utilizar a máquina pública para beneficiar a família não é novidade para os Bolsonaro. O jornal paulistano foi um pouco mais crítico e nomeou o editorial de “Um arremedo de SNI”, em referência à ditadura militar. Os editorialistas do Estadão afirmam que a “bisbilhotagem” de Bolsonaro na ABIN é estarrecedora, mas não surpreendente. 

O silêncio da Folha seguiu por dias, mesmo após o filho do ex-presidente recepcionar os policiais em sua casa. Enquanto os jornais deram manchete, a Folha reservou apenas uma chamada na capa para o assunto que ocupou os debates políticos no país. No lugar de falar de Carlos e da PF, o jornal preferiu dar manchete sobre um suposto rombo nas contas do Governo Federal. No único editorial sobre o tema, de título “Desinteligência”, Carlos Bolsonaro é citado de maneira sumária e marginal. A primeira frase do editorial é uma declaração de Lula sobre não se sentir seguro, o jornal vale-se disso para demonstrar o nível de insegurança que a crise na Abin representa. Há, de lambuja, uma crítica do jornal ao “hiperativismo” do ministro Alexandre de Moraes, que também se estende à Polícia Federal. 

Já os outros dois jornais escolhem caminhos distintos. O segundo editorial do O Globo critica o Governo pelo post que fazia alusão à Operação da PF. Neste caso, Carlos só é citado para dizer que o governo ironizou o adversário. Ao longo do texto o jornal critica a estratégia de comunicação do PT e enumera as consequências daquela postagem. Por fim, ainda há espaço para uma sugestão: “O governo ajudaria se ficasse calado e deixasse a PF trabalhar em paz”. 

Por sua vez, o Estadão, que no primeiro texto foi severo com Jair Bolsonaro, não citou o filho do presidente, alvo de busca e apreensão. Com o título “Inteligência sem controle”, o objetivo do editorial é mostrar a desorganização do setor e a violação dos direitos e garantias dela decorrentes. Nem mesmo citou o post no Instagram feito pelo governo Lula em referência à operação. 

A cobertura da Operação foi variada nos jornais, mas chama a atenção a redução da intensidade das críticas após a PF chegar à porta de Carlos Bolsonaro. Trata-se de um vereador, porém, filho do ex-presidente. A pauta escolhida foi uma crítica ao Partidos dos Trabalhadores, como ocorreu n’O Globo. Resta saber se esta passividade também se reproduz em outras visitas dos policiais federais à casa de outros políticos importantes. Vejamos como os jornais trataram, em 2016, de outra Operação da Polícia Federal, agora tendo como alvo o então ex-presidente Lula. 

Em 4 de março de 2016, além de uma busca e apreensão na casa e no instituto Lula, o petista foi levado para depor pela Operação Alethéia (24ª fase da Lava Jato). Na época, em meio à crise institucional que levou a presidente Dilma ao processo de impeachment, a Folha de S. Paulo disse que o Brasil não poderia mais continuar refém da crise política e que “o sistema de favorecimentos e negócios construído pelo poder petista se apressa no rumo do colapso. Ao mesmo tempo, as circunstâncias da operação deram algum fôlego à militância do PT.” No mesmo editorial, em 5 de março, também se pronunciou dizendo que o discurso vitimista de Lula e da militância petista não era convincente. “O PT e seus líderes, assim como qualquer outro agrupamento político, terão de responder pelas irregularidades que hajam cometido.”

O Estado de S. Paulo chamou Lula, em editorial, de “O chefe do bando” (edição de 6 de março) e proclamou o fim da figura de Lula como líder político, “que foi capaz de vender a ilusão de que poderia mudar para melhor o Brasil”. Ainda segundo o jornal, “o carisma e a habilidade de Luiz Inácio Lula da Silva como líder populista não podem ser subestimados, mas a política costuma ser implacável com quem passa dos limites na tola pretensão de colocar-se acima do Bem e do Mal e atribuir-se onipotência divina.” O Estadão acusa que Lula de ser refém de sua soberba, o que teria contribuído para levar o país à falência política, econômica e moral. Em 8 de março, também afirmava que, diante da nova situação, Dilma “não existe mais como presidente. Sua insistência em permanecer nesse cargo, para o qual nunca teve aptidão e já não tem legitimidade, apenas piora uma situação já de si muito grave.”

O Globo destaca, na coluna editorial de 6 de março, que os avanços sociais promovidos pelo governo do PT não criam políticos inimputáveis. De quebra, lista equívocos políticos e econômicos gerados pelo segundo mandato de Lula, assim como nos anos de Dilma, como encolhimento do PIB, taxas de desemprego de dois dígitos e inflação acima da meta dos 6,5%. 

O tom implacável dos editoriais publicados pelos mesmos veículos na época da operação de condução coercitiva parece não surtir tanto efeito no movimento realizado em Angra dos Reis neste janeiro de 2024. A Folha, por exemplo, opta por destacar em sua capa o “rombo de R$ 230,5 bilhões em 2023 nas contas do governo federal”, considerando o resultado das contas mais importante do que a Operação “Vigilância Aproximada”. Enquanto o debate público tratava da operação que envolvia Carlos Bolsonaro, a Manchete da Folha era amplamente divulgadas em perfis bolsonaristas como cortina de fumaça. 

Lidiane Vieira e Daniela Neves

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