60 anos do golpe militar: qual o valor da democracia para a mídia brasileira?
Entre 31 de março e 1 de abril de 1964 acontecia o Golpe Militar no Brasil, inaugurando um período de retrocesso político e social que durou até 1985. Em 2024, completam-se 60 anos desse acontecimento decisivo para a história do país e 39 anos desde a redemocratização. Ainda assim, a democracia brasileira dá sinais de estar longe de ser madura. Ao longo dessas décadas, a grande imprensa brasileira contribuiu para a consolidação desse regime?
Na esteira da ascensão mundial dos movimentos de extrema-direita, os ataques de 8 de janeiro de 2023 aos prédios públicos de Brasília expõem as fragilidades do sistema democrático brasileiro. Insatisfeitos com o resultado das eleições e a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os eleitores de Jair Messias Bolsonaro (PL) acamparam em frente a quartéis militares reivindicando, dentre outras pautas, intervenção militar. Embora a imprensa arrogue para si a função fiscalizadora e protetora da democracia, pesquisa do Manchetômetro mostrou que os acampamentos bolsonaristas receberam parca cobertura. O assunto só passou a ocupar os jornais após a invasão das sedes do executivo, do legislativo e do judiciário e a destruição do patrimônio nacional. Mais uma vez, o “cão de guarda” não latiu.
As pautas do “QG bolsonarista” foram a expressão pública das negociações golpistas que aconteciam nos bastidores do governo federal em 2022, entre o ex-presidente e parte da corporação miliar. Apurou-se que Bolsonaro conduziu reuniões com os comandantes das Forças Armadas a fim de convencê-los a aderir a um golpe de estado e aprovou uma minuta de golpe para tentar permanecer à frente do Executivo.
Em virtude da memória do golpe de 1964, foi retomado o debate sobre o valor da democracia. É sabido que jornais como a Folha de S. Paulo e O Globo, por exemplo, apoiaram o regime militar e, se retrataram publicamente em anos recentes. Atualmente, a fissura provocada pela Ditadura voltou à tona sem encontrar uma mídia disposta a enfrentá-la e, como um cão de guarda, proteger a democracia.
Ao longo dos anos, e principalmente a partir de 2018, ano da eleição de Bolsonaro, os jornais passaram a adotar uma retórica de defesa da democracia brasileira em seus editoriais. Alguns jornais chegaram a comemorar a vitória de Bolsonaro como sinal de alternância de poder e, portanto, de estabilidade das instituições democráticas, considerando inclusive positiva a participação dos militares no governo. Após apoio de primeira hora, a grande imprensa demonstrou, em alguns momentos, rejeição ao radicalismo do ex-presidente. Um ponto de virada na cobertura foi a forma com que ele conduziu as questões sanitárias ao longo da pandemia de Covid-19. Em 2020, a Folha de S. Paulo, o meio mais crítico ao governo, chegou a lançar a campanha “vista amarelo pela democracia”.
Se durante o governo Bolsonaro, a mídia cogitou uma parceria da esquerda com o centro para reconstruir o sistema democrático, nas eleições presidenciais seguintes, após Lula ter retomado seus direitos políticos, a terceira via voltou a ser exortada como única salvação para o país. Sendo assim, a cobertura de temas caros ao regime democrático estão diretamente vinculados ao alinhamento ou não dos jornais às figuras que ocupam as cadeiras do poder. Tal posicionamento ideológico, marcado principalmente pelas pautas econômicas neoliberais, segue encapuzado pela pretensa isenção jornalística.
Considerando os dados do Manchetômetro da última década, percebe-se que os jornais apresentam, em alguma medida, posicionamentos contraditórios em relação à defesa do regime democrático. É louvável que, diante de ameaças explícitas, os veículos intensifiquem um posicionamento pró-democracia, até mesmo criticando o presidente atual, Lula, por hesitar em trazer à tona a memória do golpe militar. No entanto, é imprescindível que a imprensa também se submeta a uma autocrítica em relação a seu modus operandi, que é o de adotar critérios elásticos de conveniência ao julgar o caráter democrático ou antidemocrático dos diferentes agentes políticos.