PNR #050 – “Morte na Indonésia e Desinformação”

O relatório tem como objetivo analisar a repercussão, nas redes sociais, do trágico caso da morte da brasileira Juliana Marins em um acidente na Indonésia. A seleção dos dados considerou apenas publicações que utilizaram a string “(Juliana Martins | brasileira) & Indonésia”, restringindo-se às postagens de maior destaque no Brasil. Essa delimitação se deu em função das limitações técnicas do sistema SOMAR, que impõe critérios específicos para a liberação dos arquivos para download.
A estrutura do relatório é a seguinte: na próxima seção, apresentamos das características gerais dos dados (1), com ênfase no total de postagens, interações e desigualdade entre páginas; em seguida, abordamos as características do debate (2), com foco no conteúdo das postagens; na terceira seção, analisamos a desinformação presente no debate (3), a partir de metodologia própria; por fim, tecemos considerações finais.
PRINCIPAIS DESCOBERTAS
Ações equivocadas do governo: Os agrupamentos temáticos indicam que o caso reforçou narrativas que apontaram falhas do governo brasileiro na condução da situação, retratando-o como responsável pelos equívocos — seja por negligenciar o sofrimento da família, seja por agir de forma seletiva na organização do translado.
Concentração de engajamento: 80% dos comentários se concentraram em apenas 10% das postagens mais comentadas, mostrando a centralidade de poucos atores digitais no debate.
Entretenimento como vetor: Páginas de fofoca, celebridades e conteúdo híbrido (como O Bom Funk, Alfinetada, Léo Dias) lideraram engajamento, confundindo fronteiras entre notícia e entretenimento.
Polarização nos clusters: Enquanto parte das postagens focava nos fatos, outras se transformaram em arena de disputa política, especialmente em torno da oferta de Alexandre Pato e das decisões do governo.
Desinformação limitada, mas relevante: Apenas 5% das postagens foram classificadas como “Fake”, mas apresentaram correlação mais forte entre curtidas e comentários, confirmando potencial de amplificação.
1. FACEBOOK
Tabela 1. Dados Gerais
| Publicações | 9.272 |
| Total de páginas que postaram | 2.807 |
| Interações | 4.703.038 |
Tabela 2. Total de interações por tipo de publicação nos 20 perfis com maior número de interações
| Ideologia | Perfil | Album | Link | Fotos | Video | Total Geral |
| Outro | obomfunk | 235.960 | 235.960 | |||
| Imprensa | JornalNacional | 1.009 | 202.381 | 203.390 | ||
| Direita | euleodias | 3.174 | 144.056 | 52.856 | 200.086 | |
| Imprensa | folhadesp | 159 | 4.038 | 47.662 | 135.324 | 187.183 |
| Direita | jovempannews | 3.144 | 2.116 | 98.010 | 81.773 | 185.043 |
| Direita | Desconhecidos.Fatos | 168.957 | 168.957 | |||
| Imprensa | metropolesdf | 31.941 | 8.048 | 69.436 | 38.932 | 148.357 |
| Imprensa | recordbrasilia | 138.365 | 138.365 | |||
| Direita | raul.franco.oficial | 126.365 | 126.365 | |||
| Outro | markavilashow | 108.964 | 108.964 | |||
| Imprensa | GloboNews | 102.027 | 102.027 | |||
| Outro | FabricioFerreiraFC | 96.856 | 96.856 | |||
| Direita | clarissatercio | 4.575 | 89.660 | 94.235 | ||
| Imprensa | g1 | 5.274 | 85.740 | 91.014 | ||
| Imprensa | bbcnewsbrasil | 13.392 | 71.567 | 84.959 | ||
| Imprensa | jornaloglobo | 15.032 | 65.393 | 80.425 | ||
| Direita | conexaopoliticabrasil | 654 | 74.045 | 74.699 | ||
| Imprensa | estadao | 2.209 | 69.024 | 71.233 | ||
| Imprensa | BalancoGeral | 70.566 | 70.566 | |||
| Direita | oliberal | 1.733 | 1.509 | 18.063 | 46.831 | 68.136 |
Ao observarmos a cobertura, nota-se que páginas classificadas como direita somam um total significativo de interações, indicando um engajamento robusto, especialmente em conteúdos de maior visibilidade. A categoria imprensa apresenta uma ampla distribuição de interações, refletindo o papel central da mídia tradicional no caso. A categoria esquerda está ausente na tabela, o que sugere pouca ou nenhuma representação de páginas alinhadas a esse campo político no centro do debate.
Figura 1. Total de interações por tipo de perfil nos 20 perfis com maior número de interações

O gráfico apresenta o total de interações em perfis relacionados ao caso de Juliana Marins. Os dados indicam um engajamento significativo, com destaque para a categoria imprensa, seguida pela direita, o que indica que a mídia tradicional desempenhou um papel central na cobertura do caso, acompanhada pelo desempenho desse campo político.
Figura 2. Top 10 postagens mais comentadas no Facebook

A Figura 2 traz as 10 postagens mais comentadas. Observamos uma mescla de páginas de notícias e entretenimento independentes e canais de imprensa tradicionais, como Folha de S. Paulo, Record e CBN. Destacamos também a postagem da deputada federal Clarissa Tércio (PP), indicando que o tema entrou na esfera de discussão política.
Como é recorrente em nossas análises, páginas como O Bom Funk e Léo Dias lideram o ranking de engajamento, evidenciando que o debate online ocorre majoritariamente em canais que combinam notícias com conteúdo de celebridades e humor. Esse padrão pode influenciar a forma como os usuários consomem e interpretam informações, além de tornar mais difusa a fronteira entre fatos e memes.
2. INSTAGRAM
Tabela 3. Visão geral dos dados
| Publicações | 9.098 |
| Total de páginas que postaram | 3.151 |
| Interações | 32.719.004 |
Tabela 4. Top 20 perfis com maior número de interações
| Orientação ideológica | Perfil | Total de Curtidas | Total de Comentários | Total de Interações |
| Imprensa | portalg1 | 75.027 | 1.716.262 | 1.791.289 |
| Imprensa | metropoles | 90.509 | 1.193.412 | 1.283.921 |
| Outro | alfinetei | 20.454 | 1.242.658 | 1.263.112 |
| Outro | fofocas | 15.183 | 1.245.064 | 1.260.247 |
| Outro | alfinetada | 64.132 | 1.162.646 | 1.226.778 |
| Outro | centraldafama | 22.079 | 1.038.449 | 1.060.528 |
| Direita | fatosdesconhecidos | 19.052 | 891.724 | 910.776 |
| Imprensa | globonews | 44.837 | 791.143 | 835.980 |
| Direita | leodias | 55.416 | 735.947 | 791.363 |
| Direita | conexaopoliticabrasil | 32.085 | 562.412 | 594.497 |
| Imprensa | luizbacci | 43.589 | 499.980 | 543.569 |
| Outro | nazareamarga | 8.108 | 461.717 | 469.825 |
| Imprensa | cnnbrasil | 22.602 | 392.377 | 414.979 |
| Outro | diferentona | 6.156 | 408.802 | 414.958 |
| Outro | hugogloss | 17.204 | 386.031 | 403.235 |
| Direita | terrabrasil | 21.191 | 373.985 | 395.176 |
| Imprensa | diariodonordeste | 14.304 | 374.780 | 389.084 |
| Direita | jovempannews | 44.916 | 343.322 | 388.238 |
| Imprensa | bbcbrasil | 9.143 | 310.132 | 319.275 |
| Imprensa | folhadespaulo | 10.714 | 308.053 | 318.767 |
No Instagram, a imprensa também lidera, refletindo o forte engajamento da mídia tradicional. A categoria direita surge em sequência, indicando uma presença significativa, especialmente em conteúdos alinhados a narrativas conservadoras. Por fim, a categoria esquerda não está representada na tabela, apontando para uma ausência ou participação mínima de páginas desse campo no debate.
Figura 3. Total de interações por tipo de perfil nos 20 perfis com maior número de interações

A imagem representa que a liderança no Instagram foi de perfis categorizados como Outro, em sua maioria páginas de fofocas e de celebridades. Em seguida, aparecem as páginas de imprensa, o que reforça a relevância da mídia tradicional neste caso. Por fim, a direita registra o menor número de interações entre as categorias listada na tabela anterior, demonstrando presença, ainda que menos expressiva em comparação às demais. A esquerda, mais uma vez, não aparece no ranking.
Figura 4. Top 10 postagens mais comentadas no Instagram

No Instagram, o engajamento se deu em grande medida em postagens de páginas que combinam notícias e entretenimento. A página Alfinetada aparece no topo da lista, com quase 50 mil comentários, seguida pelo Portal do Cariri, com mais de 30 mil. Perfis da imprensa mais tradicional, como g1 e Metrópoles, também figuram no top 10, embora com menor número de comentários. Isso pode apontar para uma dinâmica diferente entre as duas redes (Facebook e Instagram), com a linguagem menos textual do Instagram favorecendo ainda mais o conteúdo informal.
Nota-se também que novamente uma página de um político aparece no top 10, desta vez a do deputado estadual Bruno Zambelli (PL).
3. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO DEBATE
Ao todo, identificamos 18.370 postagens relevantes sobre o tema, com 37.422.042 interações. A figura abaixo evidencia, entretanto, que o engajamento ficou concentrado no decil superior das postagens mais comentadas:
Figura 5. Total de comentários por decil

Dos mais de 2,5 milhões de comentários, 80% (cerca de 2,1 milhões) se concentraram em apenas 1.835 postagens. Ou seja, grande parte da discussão foi travada num número relativamente pequeno de publicações.
Na figura 6, apresentamos uma análise do conteúdo das postagens a partir da nuvem de palavras (word cloud). Separamos a análise em uma nuvem geral e a nuvem das postagens apenas no decil superior.
Figura 6: Nuvens de palavras do Facebook e Instagram
Nuvem Geral

Nuvem do decil superior

As nuvens mostram as palavras mais recorrentes nas publicações; quanto maior o tamanho da palavra, maior a frequência de sua ocorrência. Percebemos que, tanto na nuvem geral quanto na do decil superior, os termos referem-se, principalmente, a informações básicas sobre o fato, como o nome da brasileira e o local do acidente.
Uma análise mais detalhada revela também menções a “governo”, “itamaraty”, “lula” e “traslado”. Esses termos podem indicar discussões sobre eventuais responsabilidades do governo brasileiro e sobre o custeio do traslado do corpo de Juliana, apontando para dimensões políticas do debate.
Na figura 7, os gráficos de bigramas complementam a análise das nuvens, com as conexões recorrentes de palavras, revelando encadeamentos e frases frequentes nas postagens.
Figura 7: Gráficos de bigramas
Biogramas das postagens em geral

Biogramas das postagens no decil superior

Assim como as nuvens, os bigramas destacam principalmente aspectos factuais do acidente. Aparecem também menções ao governo federal e ao presidente, possivelmente referentes a postagens que discutem eventuais responsabilidades do governo no resgate ou traslado do corpo. Relacionada a essa discussão, há menção recorrente ao ex-jogador de futebol Alexandre Pato, que se ofereceu para custear o transporte do corpo.
Também procedemos à clusterização e análise dos textos das postagens do decil superior.
Figura 8: Agrupamento das publicações sobre o tema

A análise dos agrupamentos de comentários destaca que o principal tema foi o resgate frustrado no vulcão Rinjani, abordando aspectos factuais sem polarização explícita. No cluster seguinte, observamos uma forte politização: o governo Lula é criticado por se recusar a financiar o translado do corpo, enquanto a oferta de Alexandre Pato para arcar com os custos alimenta narrativas de apoio e oposição, especialmente entre apoiadores de direita que veem o governo como negligente. O terceiro agrupamento intensifica a polarização ao questionar a seletividade da decisão de Lula de organizar o translado, atraindo críticas de ambos os lados do espectro político, com destaque para vozes conservadoras. Essa distribuição sugere que o caso transcendeu o fato trágico, tornando-se um campo de batalha ideológica entre direita e esquerda no contexto político brasileiro de julho de 2025, com a direita criticando o governo e a resposta oficial mostrando-se insuficiente para conter o debate nestes termos.
4. ANÁLISE DA DESINFORMAÇÃO[1] NO DEBATE
Classificamos as postagens do decil superior: 82 foram consideradas “Fake” (5%), 281 Inconclusivas (17%) e 1.244 como Fato (77%). As principais postagens “Fake” eram, em grande parte, de jornalismo declaratório, quando informações falsas eram compartilhadas em manchetes. Quanto ao conteúdo, houve desinformação relacionada à comparação entre o caso da Juliana e o caso da ex-primeira-dama do Peru, à alegação de que o governo Lula “não queria” pagar pelo translado do corpo de Juliana, entre outras narrativas.
Nestes casos, a desinformação não se limita aos fatos, mas ao uso que deles se faz. Por exemplo, o governo brasileiro de fato enviou um avião para trazer ao Brasil ex-primeira-dama do Peru. No entanto, a narrativa distorce o contexto: “Assim que a Justiça do Peru decretou a prisão da ex-primeira-dama do país por corrupção e lavagem de dinheiro, o presidente Lula não hesitou: ordenou o envio imediato de um avião da Força Aérea Brasileira para trazê-la ao Brasil e oferecer asilo político”. A questão é se é possível ou não atribuir hesitação ao governo.
Na Figura 9, mostramos que postagens fakes possuem, em média, 1.338 comentários, cerca de 100 comentários a mais do que postagens inconclusivas e mais de 200 a mais do que postagens classificadas como fato. Essas diferenças, no entanto, não são estatisticamente significativas.
[1] Desinformação é a divulgação de informações falsas ou distorcidas, com ou sem a intenção de causar prejuízo. Ela pode surgir tanto de forma deliberada ou por engano e está presente em diversos contextos, especialmente no ambiente político e nas redes sociais. Esse tipo de conteúdo pode influenciar a opinião pública, gerar ganhos econômicos ou políticos, ou enfraquecer a confiança no conhecimento científico. A desinformação assume várias formas: boatos, informações enganosas, conteúdos manipulados, discursos de ódio e manchetes sensacionalistas. Mesmo que muitas vezes seja criada com o objetivo de enganar, a desinformação nem sempre é totalmente falsa. Em vários casos, ela combina fatos verdadeiros com distorções ou omissões, dificultando sua identificação. Neste trabalho, consideramos desinformação qualquer postagem que apresente distorções ou informações falsas, independentemente de comprovação da intenção de enganar. Adotamos, assim, um conceito amplo, que inclui tanto conteúdos falsos criados propositalmente quanto aqueles compartilhados por engano. Para identificar esse tipo de conteúdo, usamos um indicador categórico: -1 para postagens com sinais de desinformação (informações falsas ou descontextualizadas), 0 para inconclusivas e 1 para aquelas sem esses sinais.
Figura 9: Diferença média de comentários entre postagens Fake, Fato e Inconclusivas

Por fim, buscamos estimar se postagens desinformativas apresentam desempenho superior em relação a postagens inconclusivas ou factuais (outperforming). Como apontado pela literatura, informações falsas tendem a alcançar maior repercussão no debate público digital[2]. Para testar essa hipótese, aplicamos um modelo de regressão linear, em que a variável dependente foi o total de comentários de uma postagem e como variável independente foi o total de likes (curtidas) dessa mesma postagem. O coeficiente obtido foi de 0,03, ou seja, um aumento de 100 likes está associado a 3 comentários adicionais. Não encontramos evidências de que postagens classificadas como “Fake” tenham desempenho superior a outros tipos de postagem. No entanto, na Figura 10, vemos uma correlação mais forte entre curtidas e comentários para as postagens Fake.
[2]The spread of true and false news online, disponível em https://www.science.org/doi/10.1126/science.aap9559, e The scale of Facebook’s problem depends upon how ‘fake news’ is classified, disponível em https://www.researchgate.net/publication/345007859_The_scale_of_Facebook%27s_problem_depends_upon_how_%27fake_news%27_is_classified/figures?lo=1, acesso em 09 de junho de 2025.
Figura 10: Correlação entre Curtidas (Likes) e Comentários

5. Considerações Finais
A análise da repercussão do caso Juliana Marins revelou padrões claros de desigualdade na dinâmica de interações nas redes sociais. Entre os principais destaques, observa-se a ausência da esquerda entre os perfis de maior engajamento, enquanto páginas de imprensa e de direita dominaram o debate tanto no Facebook quanto no Instagram. Além disso, identificamos a narrativa do “governo sempre errado”, em que críticas ao Executivo surgiram de diferentes ângulos, seja pela suposta negligência diante do sofrimento da família, seja pela seletividade em relação a outros casos. Esses achados evidenciam a centralidade da mídia tradicional na difusão inicial das informações e a força das páginas de entretenimento e de direita na manutenção da discussão pública.
Outro aspecto importante foi a concentração do engajamento: 80% dos comentários ficaram restritos a apenas 10% das postagens mais comentadas. Esse padrão demonstra que a circulação de informações em casos de grande repercussão tende a ser impulsionada por um número reduzido de atores digitais, ampliando o poder de formadores de opinião específicos. A análise dos clusters também mostrou como um fato trágico rapidamente se converteu em arena de polarização política, reforçando discursos de crítica ao governo federal.
Por fim, a análise da desinformação indicou que 5% das postagens apresentaram sinais de falsidade ou distorção, geralmente ligadas à atribuição seletiva de responsabilidades ao governo ou à comparação com outros episódios. Embora essas publicações não tenham apresentado desempenho estatisticamente superior às postagens factuais, mantiveram correlações mais fortes entre curtidas e comentários, sugerindo que continuam a ter potencial relevante de engajamento.
Em conjunto, os resultados mostram como tragédias internacionais envolvendo brasileiros se transformam em catalisadores de debates domésticos altamente politizados, onde imprensa, páginas de entretenimento e atores de direita ditam o ritmo do engajamento, enquanto a esquerda permanece ausente do centro da disputa narrativa.
Para baixar o nosso relatório, clique aqui.
Expediente
O POLÍTICA NAS REDES publica estudos temáticos sobre o debate política nas redes sociais produzidos pela equipe do Manchetômetro, no âmbito do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ.
[1] Utilizamos o número atribuído pelo Crowdtangle. De forma simples, performance é definida dividindo-se as interações obtidas pelas interações esperadas. O número de interações esperadas é igual à média de interações obtidas nos últimos 100 posts. Para mais, ver: https://help.crowdtangle.com/en/articles/2013937-how-do-you-calculate-overperforming-scores
