De volta para o futuro: Manchetômetro nas eleições de 2010
O artigo de estreia do site reflete sobre a eleição de 2010 e mostra como a partir dela se construíram algumas hipóteses de trabalho que orientam o Manchetômetro e sua pesquisa da eleição de 2014. Abaixo apresentamos brevemente os resultados do estudo de valência feito por nós do LEMEP para a eleição presidencial passada, primeiro tomando a cobertura dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo como um todo, durante o período legal da campanha eleitoral (6 de julho a 31 de outubro de 2010), e depois focando somente as capas. A unidade de análise é sempre a matéria ou texto jornalístico, seja ele uma manchete, chamada de capa, reportagem, editorial, artigo assinado ou coluna.
Na tabela abaixo temos as diferentes valências dos textos em relação aos principais “personagens” de campanha de 2010.
Como mostram claramente os números da tabela os textos neutros são os mais comuns na cobertura jornalística, para todos os personagens. Outra característica marcante é a maior abundância de textos contrários se comparados aos favoráveis. Uma descrição trivial seria dizer que em meio à miríade de referências aos personagens da campanha, os textos neutros, com caráter descritivo, são maioria, há muitos textos contrários, ao passo que poucos são favoráveis a quem quer que seja.
A dominância das referências descritivas (neutras) não é capaz de esconder o forte viés da cobertura jornalística, viés esse que pode ser medido de várias maneiras. Por exemplo, se comparamos a proporção de textos favoráveis em relação aos contrários notamos que Serra marca 7,6% enquanto Dilma somente 2,8%, ou seja, ele tem proporcionalmente quase três vezes mais textos favoráveis do que ela. A diferença é ainda mais acentuada se comparamos o PT ao PSDB, pois enquanto o primeiro tem uma proporção de favoráveis/contrários de 1,3% seu adversário alcança 5,6%, isto é, mais de quatro vezes aquela marca. É digno de nota a posição relativa do PT em relação a todos os personagens. Ele é o segundo personagem que mais acumula textos desfavoráveis entre todos, 880, perdendo somente para o Governo e a candidata Dilma, que tem 1.295. A proporção de favoráveis/contrários do Governo é a segunda mais baixa, com 2,7%, muito próxima da de Dilma, 2,8%.
Ainda que em números absolutos perca para Serra e o PSDB, o tratamento dado à Marina e ao seu partido, o PV, é proporcionalmente bem mais positivo, as razões entre favoráveis e contrários são respectivamente 56% e 43,5%. Isto é, ainda que Marina e PV apareçam bem pouco, se comparados aos principais candidatos e partidos, quando aparecem são retratados de modo bem favorável.
Se somarmos os números da situação e da oposição temos um quadro sintético bem expressivo da cobertura no que toca a valência dos textos. Considerando situação os personagens Dilma, PT, Governo e Lula, e oposição Serra, PSDB, Marina e PV, temos um total de 116 menções favoráveis à situação e 124 à oposição. Confirmando a preponderância de textos negativos, temos 3.668 para a situação e 1.130, o que também confirma um tremendo viés, pois os personagens da situação foram objeto de notícias desfavoráveis quase 3,5 vezes mais que seus contendores. Se saímos dos números absolutos e comparamos a proporção de favoráveis e contrários confirmamos a mesma tendência, a situação tem 3,2% enquanto que a oposição alcança 11%.
A cobertura nas capas não é muito diferente daquela feita por todo o jornal, como mostra a tabela abaixo:
Textos neutros também são maioria nas capas, mas com frequência um pouco menor do que no jornal como um todo, 68% e 75%, respectivamente. A despeito de haver mais textos com viés nas capas, manchetes e chamadas favoráveis são nelas raríssimas. Dilma, o PT e Serra não têm nenhuma, Marina, Lula e o Governo somente uma, e o PSDB e PV têm 3 e 2, respectivamente. Assim, é mais significativo compararmos as taxas de textos negativos em relação a neutros. Vejamos o gráfico abaixo:
De cara é possível perceber a semelhança de perfil entre a cobertura da capa e do jornal como um todo. Mas quando o mesmo gráfico de proporção entre negativos e neutros para a cobertura total dos jornais é plotado a semelhança torna-se gritante, como podemos ver abaixo:
As capas também repetem o viés da cobertura total se tomarmos a proporção entre os textos negativos recebidos pela situação e pela oposição, só que de maneira ainda mais aguda. Se na cobertura total encontramos uma razão de 3,5, nas capas a situação recebe 4,9 mais menções negativas do que a oposição.
Esse breve voo de pássaro sobre a eleição presidencial passada, a de 2010, nos permite notar algumas regularidades que são muito úteis para a análise do pleito que ora se aproxima, pois geram questões, hipóteses de pesquisa:
1. Houve um forte viés contrário à situação na cobertura dos grandes jornais na eleição passada, uma abundância de chamadas e manchetes negativas envolvendo a candidata do PT, o partido, Lula e seu governo, em relação às referências feitas aos partidos e candidatos da oposição. Será que isso vai se repetir na eleição atual? Se a repetição ocorrer, seu perfil e intensidade será semelhante?
2. Capas parecem ser bons preditores da cobertura do jornal como um todo, ainda que um pouco mais extremas. Essa é uma hipótese que o Manchetômetro não vai poder testar diretamente, pois não faremos a análise em tempo real da cobertura total dos jornais, que será deixada para um momento posterior. Assumiremos isso como premissa, uma vez que temos já a evidência da eleição passada.