O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

Parceria

Moro no Manchetômetro

Por Lidiane Vieira

Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante cerimônia para assinatura de Portaria Interministerial que cria o Serviço Nacional de Notificação de Recall de veículos.

Seja vazando áudios ou sendo alvo de vazamentos, Sergio Moro é figura constante na cobertura dos principais jornais impressos do país nos últimos anos. Juiz federal desde os 24 anos, tornou-se protagonista da política nacional ao ser alçado a baluarte contra a corrupção no comando da operação Lava Jato. Cotado para disputa presidencial em 2018, possibilidade que negava frequentemente, aceitou o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para compor o governo como ministro da Justiça. Essa decisão formal pelo campo político ocorreu após ter sido ator principal do processo que tornou inelegível o ex-presidente Lula , à época candidato com maior índice de intenções de votos. O enlace entre Bolsonaro e o ex-juiz não passou despercebido na mídia internacional. O britânico The Times estampou nas manchetes: “Jair Bolsonaro promete alto cargo a juiz que aprisionou seu rival”.[1]

As críticas ao desempenho do juiz eram tratadas como insatisfação puramente ideológica, até que, no dia 9 de junho de 2019, o portal de jornalismo investigativo Intercept Brasil iniciou a publicação de uma série de reportagens divulgando chats trocados entre o ex-juiz, o coordenador da operação, Deltan Dallagnol, e integrantes da força-tarefa da Lava Jato. As mensagens expõem as motivações e o mecanismo por trás do estigma de combate à corrupção, apartidarismo e imparcialidade. Nesta Série M, analisaremos a cobertura jornalística da trajetória de Moro de juiz federal como protagonista de um escândalo político, passando pelo posto que ocupa atualmente, de ministro da Justiça. Para tanto, o período estudado vai de janeiro de 2016 à 16 de junho de 2019, ou seja, desde que assumiu a pasta até uma semana após a primeira publicação da Vaza Jato nos três jornais impressos: O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo[2].

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Apesar da simplicidade, este gráfico com dados agrupados nos apresenta tendência interessante sobre a cobertura a respeito de Moro. Com cenário distinto dos padrões de cobertura de outros personagens, nos quais se destacam as valências neutra e contrária, sendo as favoráveis escassas, o ex-juiz protagoniza altos níveis de notícias neutras (63%) e favoráveis (20%) superiores às contrárias (17%). Diante da extensão do tempo analisado e dos últimos acontecimentos da Vaza Jato, este gráfico perde o poder de explicação ao inviabilizar a distribuição desta cobertura de acordo com os acontecimentos políticos. Além disso, outro critério que perde força neste tipo de apresentação dos dados é a particularidade de cada jornal ao noticiar Sergio Moro. Portanto, passamos à análise da linha do tempo desta cobertura em cada periódico, ressaltando eventos importantes como: o vazamento ilegal do áudio de Dilma e Lula; o julgamento e posterior prisão do ex-presidente Lula; a confirmação de Moro no governo Bolsonaro; a trajetória como ministro; e a Vaza Jato.

Folha de S. Paulo

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Neste caso, os dados já apresentados ganham dinâmica, isto é, a cobertura que possui maior tendência neutra (53,12%) é matizada e por vezes ultrapassada por picos de cobertura favorável (17,83%) e contrária (29,04%). O famoso audio-bessias acarretou a maior cobertura deste período, com 52 inserções. Ainda que a neutra (26) prevaleça, as contrárias (18) superaram as favoráveis (8). É interessante pontuar o aumento da cobertura favorável, que ultrapassa a contrária entre os meses de junho e agosto de 2017, período em que ocorreu o julgamento do ex-presidente Lula, legitimando a figura do juiz antes e depois do processo. Esse efeito que não ocorreu no momento da prisão, contando apenas com um pico de notícias neutras sobre o juiz que deferiu a primeira sentença.

Após uma baixa durante o período eleitoral, Sergio Moro volta a ser assunto ao assumir-se político, com picos de neutras e contrárias. A cobertura favorável crescente entre dezembro/2018 e janeiro/2019 demonstra a expectativa por um novo governo, no entanto revertida ao longo dos meses seguintes. Por fim, após a posse há uma queda progressiva tanto das notícias neutras, com um pico em maio seguido de redução abrupta. Essa foi também a tendência entre as favoráveis, que, no entanto, voltam a aumentar no período final, fato que atribuímos ao aumento do agendamento sobre Moro devido à Vaza Jato. Em sentido oposto, as notícias contrárias crescem de maneira constante desde janeiro de 2019, cruzando o vetor neutro e atingindo o ponto mais alto de toda a série nas primeiras semanas de junho de 2019.

 

O Globo

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Diferente do gráfico anterior, a cobertura de O Globo assemelha-se bastante aos dados gerais, ou seja, a tendência é de alto nível de neutras (75,47%), seguido por favoráveis (14,75%) e contrárias (9,77%) com pouca expressão.  É interessante que, embora a cobertura de março de 2016 não represente um pico, as inserções favoráveis a Moro no episódio do áudio de Dilma e Lula são muito similares às neutras e ambas superiores às contrárias. Apesar da narrativa neutra prevalecer, a cobertura favorável a Sergio Moro é frequentemente maior do que a contrária, tendência que se repete durante o julgamento de Lula. A reação do jornal à presença de Moro no governo Bolsonaro atinge a maior cobertura, com 48 inserções, sendo 42 neutras, 5 favoráveis e 1 contrária. Os índices altíssimos de neutras apresentam uma tendência de queda no início de 2019, seguida por um pico isolado em maio. Mas o interessante neste período final é perceber a ascensão da cobertura favorável a Moro desde novembro, com pico durante a atuação como ministro, que, embora caia a partir de março, permanece superior à média, sem grande variação após a Vaza Jato. Em sentido contrário, a cobertura negativa, que apresentava índices baixíssimos, avolumou-se nos últimos meses, atingindo o pico mais alto (13 notícias)  e ultrapassando a curva neutra pela segunda vez.

O Estado de S. Paulo

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Distinta das tendências anteriores, a cobertura de O Estado de S. Paulo é a que apresenta maior cobertura favorável (29,64%) a Sergio Moro – menor do que a neutra (60,30%), mas  de grande contraste com a contrária (10,05%). De maioria neutra, a cobertura sobre o vazamento do áudio em 2016 já apresentava sinais de apoio ao então juiz. Saltam aos olhos os picos de favoráveis à atuação de Sergio Moro, como no mês de julho de 2017, mês da condenação de Lula na primeira instância em que a cobertura ascendeu de zero a oito matérias pró-Moro. O padrão se repete em outros episódios que envolvem os dois personagens, Lula e Moro, com vantagens significativas para o segundo, como pode ser observado em abril de 2018, mês da prisão do ex-presidente. O maior pico de notícias favoráveis a Moro acontece no período pós-eleitoral e de anúncio de Moro como ministro, com 11 inserções. O início do governo é marcado por cobertura neutra e favorável, tendência que se reverte com crescimento das notícias contrárias desde abril, atingindo o maior pico (10 matérias) após a Vaza Jato e cruzando pela primeira vez as notícias neutras.

 

Conclusão

No tocante ao agendamento de Sergio Moro, Folha de S. Paulo (544 inserções) e O Globo (522 inserções) são responsáveis juntos por mais de 70% do conteúdo produzido, sendo apenas 27,18% de O Estado de S. Paulo, com 398 inserções. Apesar da cobertura neutra ultrapassar os 50% nos três jornais, é possível identificar as distribuições menos equilibradas, como é o caso dos quase 30% de notícias favoráveis a Moro no Estadão e contrárias na Folha. Entre os menores índices estão as matérias contrárias de O Globo e Estadão, que representam em torno de 10% cada um. Salvo as particularidades, é inegável o impacto negativo que a Vaza Jato já causou, apenas na primeira semana, para a imagem de Sergio Moro. Nos três periódicos havia certo crescimento da cobertura negativa desde o início do governo Bolsonaro, mas é explícito que as conversas publicizadas pelo Intercept Brasil foram decisivas para o alcance do maior índice de inserções contrárias do período em todos os jornais.

 

 

[1]“Jair Bolsonaro promises senior job to judge who jailed his rival”. The Times, 1 de novembro de 2018.

[2] Os texto analisados no Manchetômetro correspondem a capas, artigos de opinião, editoriais e colunas. Para mais informações: http://www.manchetometro.com.br/index.php/objetivos-metodologias/.

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