Boletim M – A cobertura do coronavírus
Neste Boletim M, a equipe do Manchetômetro apresenta uma análise dos editoriais publicados nos grandes jornais brasileiros durante o ano de 2020, para entendermos seu posicionamento perante à pandemia do coronavírus.
O GLOBO
Os gráficos abaixo contém o agregado de textos, com suas respectivas valências, das coberturas sobre Política, Economia, Jair Bolsonaro, Governo Federal, respectivamente, nos editoriais dO Globo.
A partir de meados de março, O Globo dedicou espaço editorial diário aos diversos aspectos da crise causada pela pandemia de coronavírus. Dois dos personagens principais no discurso editorial foram o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e sua equipe e, de outro lado, o presidente Jair Bolsonaro. Desde o início Mandetta foi elogiado pela coordenação do enfrentamento à crise e por manter um fluxo de informações precisas e transparentes, embora no espaço editorial pouco se esclareça em profundidade as medidas tomadas pela pasta. O presidente, entretanto, foi criticado ao longo de todo o mês de março por estar “alheio à realidade”, por não engrossar os esforços para conter a epidemia e por sua postura que foi na contramão das indicações científicas e profissionais. É comparado constantemente a Trump e sua postura é reportada como ideológica e irresponsável. Os editoriais, de modo geral, reconhecem também os esforços de governadores e prefeitos que, em conflito com o presidente, buscam ativamente fazer frente ao avanço da pandemia, ressaltando que algumas dessas medidas vinham sendo frustradas (como a circulação em transportes) e que muito mais precisa ser feito.
Outro personagem que pouco apareceu, mas recebeu críticas, foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, que anunciou pacote de medidas considerado pelo jornal insuficiente e atrasado no enfrentamento à crise.
Inicialmente, além da preocupação com os reflexos na economia mundial, O Globo parte do contexto particular para fazer críticas ao Sistema Único de Saúde (SUS), argumentando deficiências históricas na saúde, má gerência e excesso de burocracia. Contudo, com o passar do tempo, o tom editorial muda. No dia 30 de março, O Globo afirma que o SUS, posto à prova, vinha superando expectativas em sua funcionalidade num contexto inédito e crítico.
ESTADÃO
Os gráficos abaixo contém o agregado de textos, com suas respectivas valências, das coberturas sobre Política, Economia, Jair Bolsonaro, Governo Federal, respectivamente, nos editoriais do jornal Estadão.
Os editoriais do Estadão sobre o coronavírus discutem bastante os efeitos econômicos da pandemia. No final de fevereiro já surge a primeira preocupação do jornal, não com a saúde pública, mas com os possíveis efeitos econômicos junto à frágil retomada do país, alertando para a importância de estímulos que garantam o dinamismo econômico. A preocupação com os efeitos econômicos do vírus no Brasil é tema recorrente dos editoriais ao longo do período. No início de março, o governo é, repetidas vezes, criticado por utilizar o vírus como justificativa para mais um possível ano de estagnação. Apenas na segunda quinzena do mês o Estadão começa a defender a proteção aos grupos economicamente mais frágeis, enfatizando a importância de se se salvar vidas antes da economia.
O tratamento dado ao Governo Federal, por sua vez, pode ser dividido em segmentos. O Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e da Tecnologia são, desde o início da pandemia, elogiados por combater as fake News e por atuar para encontrar formas de imunização para a doença. Além disso, é afirmado que o SUS estaria preparado para atender os casos de coronavírus no país. O então ministro da Saúde, Luiz Mandetta, também é elogiado por seguir as recomendações da OMS e por defender ações necessárias para combater a pandemia no país. Pelos mesmos motivos, tratamento favorável é dado aos governadores como João Dória e Wilson Witzel são elogiados. Um segundo segmento é composto de textos sobre a equipe econômica, que é duramente criticada pela falta de atitude e de ação diante de um quadro de crise econômica que exigia intervenção direta do governo.
Por fim, há os editoriais sobre a figura do presidente da república, que é criticado durante todo o período, principalmente por sua posição contrária às ações recomendadas pela OMS. As críticas incluem as falas estapafúrdias de Bolsonaro sobre a Covid-19, inclusive divulgando fake news, a inação do líder do executivo federal ante a pandemia e acusações de interesse e uso políticos da pandemia.
FOLHA DE S. PAULO
Os gráficos abaixo contém o agregado de textos, com suas respectivas valências, das coberturas sobre Política, Economia, Jair Bolsonaro, Governo Federal, respectivamente, nos editoriais da Folha de S. Paulo.
No início do período, a Folha de São Paulo pregava em seus editoriais “sobriedade e eficiência” e como exemplo positivo de gestão citava o governador João Doria. Com o ritmo acelerado das mudanças, o tom do jornal alterou-se, apresentando panoramas negativos e cobranças ao Governo Federal. Apesar de uma certa diversidade na abordagem, as duas principais temática foram: a condução da economia e o posicionamento do Presidente Jair Bolsonaro.
Nos primeiros dias do período, o posicionamento editorial não se alterou diante da crise, afirmando que “mais gastos públicos não necessariamente produzirão resultados em curto prazo”, juntamente com defesa do teto e das reformas, embora já falasse de estratégias de mitigação. Rosto da gestão econômica, Guedes recebe elogios e críticas ao longo do tempo, sem muito destaque. Ganha espaço a defesa da intensificação de medidas duras de isolamento mesmo com custos económicos. O ponto de inflexão ocorre no dia 17, com o primeiro editorial que defende o papel do Estado de garantir a sobrevivência dos miseráveis e autônomos, somado a posterior defesa de ampliação do Bolsa Família e do endividamento do Estado, já que o custo fiscal é inescapável. Todas esses posicionamentos vieram acompanhados de ressalvas sobre a manutenção do teto e das reformas, lembrando a sociedade que todos terão de “arcar com o doloroso ajuste orçamentário posterior”.
Diante do embate público entre a Folha e o presidente, outros personagens centrais na crise foram citados de forma lateral, como o então Ministro Mandetta, que de forma geral recebeu elogios pela condução técnica. Jair Bolsonaro é apresentado de maneira negativa durante toda o período. Descrito como mais um problema, o presidente é chamado de incompetente, fabricante de crise, insensível social, cretino político, fanfarrão tresloucado… os insultos também atingem tom jocoso como quando o editorial menciona a incapacidade do presidente de usar uma máscara. O ápice da contraposição ocorre no editorial “Presidente, retire-se”, que pede às equipes técnicas da saúde e da economia que assumam a direção da crise.
OS TRÊS JORNAIS
Os gráficos abaixo contém o agregado de textos, com suas respectivas valências, nos temas de Política, Economia, Jair Bolsonaro e Governo Federal, nos editoriais dos três jornais.
CONCLUSÃO
A análise da cobertura dos três jornais nos permite apresentar algumas conclusões sobre a cobertura ao longo do período da pandemia do coronavírus. Primeiramente podemos perceber que os três jornais, no início da pandemia, se preocupam com os efeitos do vírus na economia brasileira, posição também adotada pelo governo brasileiro. À medida que a epidemia se torna uma pandemia pela OMS e a Covid-19 alcança o Brasil, os três jornais analisados começam a se preocupar com a questão social e com os efeitos do vírus no país e a pontuar a importância da saúde pública. A partir desse ponto, com a inflexão que ocorre na compreensão e nas atitudes de diferentes governos municipais, estaduais e de alguns ministérios, principalmente o da Saúde, que começam a apoiar ações fitossanitárias e de proteção econômica dos mais necessitados, os jornais também começam a defender tais ações sociais.
Em suma, o posicionamento da grande mídia perante a pandemia do coronavírus primeiro se preocupou apenas com os reflexos da Covid-19 na economia brasileira, mas posteriormente seguiu o script de conscientização sobre a importância de combater a pandemia seguindo as recomendações da OMS, como isolamento vertical, quarentena e proteção econômica aos mais frágeis. Esse posicionamento está em consonância com as ações de governadores e prefeitos em todo o país. Enquanto isso o presidente adota o tema da preservação da economia, em detrimento de medidas mais rigorosas de isolamento da população, intensificando seu isolamento político, provavelmente por apostar que ao final da enorme crise, o dano econômico será tema eleitoralmente mais produtivo do que a perda das vidas humanas. Não é fácil avaliar a propriedade de tal raciocínio, mas uma coisa é certa, dificilmente seria conceber algo menos macabro.