PNR – Edição Especial: Gastos com redes sociais e eleições: impactos nos resultados eleitorais
As pesquisas sobre a relação entre redes sociais e eleições se desdobram em várias perspectivas. Entre eles estão as análises das nas redes sociais, incluindo sua moderação do conteúdo e combate à desinformação. Há ainda estudos que investem na suposta substituição da mídia tradicional por redes sociais. Outros trabalham a interação no ambiente virtual. Além disso, há avaliações sobre o efeito das redes sociais e das estratégias de campanha nas redes sobre resultados eleitorais1–4.
No presente relatório do Política nas Redes exploramos dados de prestações de contas de campanha para analisar os gastos de candidatos com redes sociais. Em dois relatórios anteriores, demonstramos que há uma relação entre a cobertura de internet nos municípios e o gasto de candidatos com redes sociais. Também analisamos o perfil das candidaturas que mais fazem uso deste tipo de estratégia de campanha.
O foco, neste último relatório da série, é avaliar os impactos desta estratégia nos resultados eleitorais. Para isso, trabalhamos com informações das prestações de contas, resultados eleitorais e características dos candidatos. Utilizamos modelos de regressão linear para verificar se o gasto com redes sociais é efetivo eleitoralmente e em que contexto.
1. Coleta de dados
Coletamos os dados de prestações de contas de candidatos e candidatas a vereador e prefeito nas eleições de 2016, 2020 e 2024. Para esse último pleito, temos as informações das prestações de contas parciais (despesas contratadas). Os dados foram coletados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir do pacote do R basedosdados5. Para 2024, as informações foram obtidas diretamente do repositório de dados eleitorais do TSE. Também do TSE, retiramos informações sobre desempenho eleitoral e características dos candidatos.
Coletamos informações de cobertura de internet, a partir da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Consideramos a densidade de acessos (por 100 domicílios) para telefonia móvel e banda larga fixa, como proxies para a cobertura de internet nos municípios.
2. Quem gasta com internet?
Para avaliar o impacto dos gastos com redes sociais e internet nas eleições locais brasileiras, criamos uma variável chamada “gastos com internet”. Quando candidatos preenchem sua prestação de contas, destacam a descrição e tipo de despesa. Consideramos os tipos: “criação e inclusão de páginas na internet”, “despesa com impulsionamento de conteúdos”, como gastos com internet. Seguimos a classificação já adotada na literatura sobre o tema na Ciência Política6–8. Esta é a nossa variável independente, ou explicativa.
Como os municípios variam muito em tamanho, é necessário que esse valor seja ponderado pela população e/ou competitividade do município. Uma coisa é gastar R$ 1.000,00 com internet em uma campanha na cidade de São Francisco de Paula(RS), com pouco mais de mil habitantes. Outra é gastar esse valor em metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro. Em nosso caso, dividimos as despesas com internet pelo total do eleitorado. Ou seja, o valor declarado é dividido pelo total de eleitores no município. Nossa variável dependente, ou explicada, é o percentual de votos conquistados por vereadores e prefeitos em três eleições.
Na tabela 1, expomos a relação entre as duas variáveis a partir de um modelo de regressão linear. Os resultados apontam para uma relação positiva, ou seja, estatisticamente significativa, entre os gastos com internet e desempenho eleitoral de prefeitos. No modelo 1, analisamos todas as candidaturas nos três anos (2016, 2020 e 2024). O modelo 2 se refere ao pleito de 2016, modelo 3, a 2020, e modelo 4, a 2024.
O resultado geral indica que o crescimento de um real por eleitor no município incrementa em 2,44 pontos percentuais (p.p.) o voto de candidatos a prefeito no primeiro turno. Contudo, esse efeito não se manteve constante no tempo. Ele foi maior em 2016 (12,74 p.p.), mas caiu em 2020 (5,14 p.p.) e em 2024 (1,23 p.p.). No contexto de novidade das redes e forte sentimento de antipolítica, que se deu em 2016, o aumento de um real por eleitor significou mais 12 pontos percentuais de voto. Com o passar do tempo, contudo, esse efeito foi mitigado.
Tabela 1 – Modelos Bivariados (Prefeitos)
Na tabela 2, analisamos os resultados para vereadores. Os valores se mantêm positivos e estatisticamente significativos. O crescimento de um real por eleitor no gasto com internet incrementa o desempenho de vereadores, tanto na amostra completa, com 1,2 milhão de candidatos (2016, 2020 e 2024), quanto na análise discriminada por ano.
Da mesma maneira como para os prefeitos, houve um declínio do impacto dos gastos dos candidatos a vereador com internet sobre seu sucesso eleitoral ao longo das eleições em proporções bastante similares, com o detalhe de que em 2024 esse impacto é significativa maior para vereadores (3,45 p.p.) do que para prefeitos (1,23 p.p.).
Tabela 2 – Modelos Bivariados (Vereadores)
3. Interações e Análise Contextual
Os resultados dos modelos bivariados parecem confirmar o impacto do gasto de campanha com internet sobre o desempenho eleitoral. No entanto, os achados devem ser vistos com cautela já que outras variáveis influenciam a votação de candidatos6,9–14. Para controlar a relação entre gastos com internet e voto, bem como analisar o contexto em que esse tipo de estratégia é mais bem-sucedida, incluímos no modelo de regressão outras variáveis: escolaridade (candidato com ensino superior ou não), gênero (homem ou mulher), ideologia (variando de 0 – extrema esquerda – a 10 – extrema direita)15 e variáveis sobre a cobertura de internet. São elas: densidade de telefonia móvel e densidade banda larga. A intenção por trás da inclusão dessas últimas variáveis é testar se o gasto com internet é mais efetivo em contextos de maior densidade de acesso à internet. Não discutimos aqui todos os resultados, mas aqueles mais importantes para nossa análise.
No caso dos prefeitos, o impacto dos gastos com internet sobre o percentual de votos se mantém positivo apenas para 2016, perdendo significância nas eleições de 2020 e 2024. Isso pode ser explicado pelo fato de que a estratégia de campanhas virtuais se tornou mais comum entre candidatos. Ou seja, passa a não ser mais um diferencial na disputa majoritária. Por outro lado, os contextos com melhor cobertura de rede são mais competitivos. O crescimento de uma unidade de densidade de acessos (por 100 domicílios) de telefonia móvel representa -0,10 p.p. de votos. E, no caso de banda larga, -0,18 p.p.
Por fim, a interação entre a densidade de telefonia móvel e gastos com internet sobre o desempenho eleitoral só foi positiva em 2020. Em outras palavras, no contexto da pandemia de COVID-19, o impacto do gasto com internet na campanha foi maior onde havia melhor cobertura de telefonia móvel no município (Figura 1).
Figura 1: Interação entre valor de internet e densidade de telefonia móvel
Para o caso de vereadores, os resultados são distintos. Em primeiro lugar, o impacto do gasto de internet se mantém positivo e estatisticamente significativo. Esse tipo de investimento parece ser bastante vantajoso para candidatos em disputas proporcionais, enquanto para as majoritárias tal vantagem não mais se verifica. Nas demais relações, a direção dos coeficientes se mantém. Contextos com melhor cobertura de internet continuam sendo mais competitivos. Por fim, assim como para os prefeitos, as eleições de 2020 demonstraram que quanto melhor a cobertura de internet do município, melhor o retorno deste tipo de gasto (Figura 2).
Figura 2: Interação entre valor de internet e densidade de telefonia móvel
4. Discussão
Os resultados deste estudo revelam uma dinâmica complexa entre os gastos com internet nas campanhas eleitorais e o desempenho dos candidatos no Brasil. Inicialmente, observou-se uma relação positiva entre os investimentos em estratégias online e o percentual de votos obtidos, especialmente nas eleições de 2016. No entanto, essa eficácia parece ter diminuído ao longo do tempo, particularmente para as campanhas majoritárias. Isso sugere uma possível saturação ou normalização das estratégias digitais, ou seja, se antes o recurso da campanha digital podia ser um diferencial competitivo, com o tempo tornou-se uma prática comum entre os candidatos.
É notável a distinção entre o impacto dos gastos com internet nas campanhas para prefeito e vereador. Enquanto o efeito positivo persistiu para candidatos a vereador ao longo dos anos analisados, o mesmo não ocorreu para os candidatos a prefeito após 2016. Isso também pode ser produto de um certo nivelamento ou mesmo saturação das estratégias digitais, que se dá mais em competições majoritárias, com poucos candidatos, do que em proporcionais, com uma miríade de candidatos com acesso muito desigual a recursos. Além disso, o estudo revela que a eficácia dos gastos com internet está intrinsecamente ligada à infraestrutura de conectividade dos municípios. Particularmente durante a pandemia de COVID-19, em 2020, observou-se uma interação significativa entre a densidade de telefonia móvel e o efeito dos gastos com internet no desempenho eleitoral. Isso ressalta a importância de considerar o contexto tecnológico local ao planejar estratégias de campanha digital.
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