PNR – Edição Especial: Gastos com redes sociais e eleições
Uma pergunta frequente sobre as eleições nos últimos anos é a relação entre redes sociais e o desempenho de candidatos e partidos. Desde a campanha do Brexit, no Reino Unido, a eleição de Donald Trump, nos EUA, e a própria vitória de Jair Bolsonaro, no Brasil, jornalistas, cientistas políticos e outros pesquisadores se perguntam em que medida as redes sociais concorrem com outros meios de comunicação na disseminação de informação política (1); bem como, qual o efeito das redes sociais sobre o comportamento eleitoral (2). Neste sentido, grande parte das pesquisas foca no lado da demanda — como os eleitores se informam e se comportam nas decisões eleitorais.
Neste relatório do Política nas Redes, exploramos o lado da oferta, analisando como os políticos empregam estratégias digitais em campanhas eleitorais. Utilizamos dados de despesas realizadas e contratadas para verificar três aspectos. Primeiramente, se há um incremento deste tipo de gasto em eleições locais no Brasil. Em segundo lugar, se há diferenças entre candidaturas legislativas e executivas. E, finalmente, se o gasto com internet e redes sociais é maior em municípios com melhor cobertura de internet.
Os resultados indicam que houve crescimento significativo das despesas com conteúdo digital para postulantes às câmaras de vereadores e prefeituras entre os pleitos de 2016 e 2020. Há relação estatisticamente significativa entre a cobertura de internet nos municípios, e a opção pelo gasto com impulsionamento de conteúdo em redes sociais e criação de páginas online.
Este relatório é o primeiro de uma série que explora os dados de despesas com internet e redes sociais das candidaturas no Brasil. Nos próximos, abordaremos as características dos candidatos e candidatas que mais lançam mão deste tipo de gasto (1); e os efeitos das despesas com conteúdo digital sobre o desempenho nas urnas (2).
1. EVOLUÇÃO DOS GASTOS COM REDES SOCIAIS
Para avaliar a evolução dos gastos com redes sociais e internet nas eleições municipais brasileiras, criamos a variável intitulada “gastos com internet”. Quando candidatos preenchem sua prestação de contas, destacam a descrição e tipo de despesa. Consideramos os tipos: “criação e inclusão de páginas na internet” e “despesa com impulsionamento de conteúdos”, como gastos com internet. Seguimos classificação já realizadas na literatura sobre o tema na Ciência Política (8–10).
Na figura 1, exploramos a evolução do total gasto com internet nas campanhas, para vereador e prefeito, em milhões de reais. Os valores foram corrigidos pela inflação de outubro de 2024. Os dados demonstram crescimento acentuado do valor desta rubrica, entre 2016 e 2020. No caso de vereadores, o aumento é de 24 vezes (2.300%), passando de R$ 3 milhões para mais de R$ 73 milhões. Para prefeitos, o valor sobe de quase R$ 13 milhões, alcançando mais de R$ 72 milhões, crescimento de 430%.
Figura 1. Evolução do total gasto (em milhões de reais) com internet nas campanhas (prefeito e vereador)
Em termos percentuais, os valores gastos com internet em 2016 representaram 0,79% do total aplicado por candidatos a prefeito, e 0,20% do total de despesas nas disputas para o legislativo. Este valor cresce, em 2020, para 4,07% e 6,26%, respectivamente.
O decréscimo em 2024, muito provavelmente, está ligado ao volume parcial de dados divulgados, e que ainda aguardam a apresentação da prestação final de contas. Para o ano de 2024, os dados da Justiça Eleitoral ainda são preliminares e os gastos apurados, por enquanto, se referem às prestações de contas parciais, apresentadas quase um mês antes da eleição. É esperado que a tendência de gastos com a internet, especialmente o impulsionamento de conteúdo, aumente em 2024. Para verificar essa tendência, porém, é necessária a compilação de dados da prestação final de contas.
Figura 2 – Evolução do total gasto (percentual) com internet nas campanhas (prefeito e vereador)
2. EVOLUÇÃO DOS GASTOS COM REDES SOCIAIS
Verificamos também a correlação entre os gastos com internet e a cobertura de internet nos municípios. Na figura 3, testamos a correlação entre densidade da banda larga nos municípios e densidade de telefonia móvel (X) e o percentual de gastos com internet no nível do município para candidatos a prefeito (Y). Ou seja, calculamos o total de despesas realizadas por todos os candidatos e, deste valor, o percentual de gastos com internet. A ideia é verificar em que medida há uma opção estratégica em aumentar esse tipo de despesa em localidades nas quais as pessoas têm mais acesso à conexão online. Os resultados do coeficiente de correlação de Pearson indicam valores moderados, mas positivos e estatisticamente significativos. Em outras palavras, há medida em que aumenta a cobertura de internet no município, o gasto com esse tipo de estratégia de campanha também aumenta, especialmente para o ano de 2020.
Figura 3 – Correlação entre os dois tipos de variáveis e o percentual de gastos com internet (Prefeitos)
Na figura 4, exploramos a mesma relação no caso de vereadores. Os valores de correlação são mais altos, indicando que há variação conjunta do tipo de gasto com a cobertura de internet.
Figura 4 – Correlação entre os dois tipos de variáveis e o percentual de gastos com internet (Vereadores)
Por fim, na figura 5, examinamos a variação espacial das despesas com internet para postulantes às câmaras de vereadores e prefeituras, nas eleições de 2020, e os dados de densidade de banda larga e telefonia móvel no agregado da unidade federativa. Para o cargo de prefeito, a maior correlação entre densidade de telefonia móvel e despesas percentuais com internet se dá nos estados do Acre (0,56), Rio de Janeiro (0,48), Roraima (0,48) e Pará (0,43). A correlação entre densidade da banda larga e despesas é maior no Acre (0,51), Roraima (0,62), Espírito Santo (0,42) e Rondônia (0,35). Exceto nos casos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, os demais estados, localizados na região Norte, são alguns dos piores desempenhos em relação à cobertura de internet. Isso indica que, naquele contexto, qualquer mínima melhoria na rede resulta em um impacto significativo nas despesas de campanha.
Figura 5 – Mapas de distribuição
No caso de vereadores, os resultados são semelhantes. Para densidade de banda larga, a correlação para o Acre é muito forte (0,80), no Amapá também (0,66). Enquanto em estados com alta densidade média, o valor é mais baixo: São Paulo (0,24) e Santa Catarina (0,17). Por fim, para densidade de telefonia móvel, o ranking de correlações é: Acre (0,75), Rio de Janeiro (0,58), Amapá (0,53) e Pará (0,48).
3. Considerações finais
Neste relatório do Política nas Redes, analisamos como candidatos utilizam estratégias digitais nas campanhas. Para isso, partimos de dados de financiamento de candidaturas, observando despesas realizadas e contratadas, e verificamos, primeiramente, que há crescimento significativo das despesas com internet entre o pleito de 2016 e 2020. Em segundo lugar, esse crescimento se dá tanto para postulantes às câmaras de vereadores, quanto às prefeituras.
Por fim, há relação estatisticamente significativa entre a cobertura de internet nos municípios e a opção pelo gasto com impulsionamento de conteúdo em redes sociais e criação e inclusão de páginas na internet. O que pode indicar estratégias digitais de campanha são mais comuns quanto melhor é a rede de internet disponível no município. No nível estadual, em contextos de baixa cobertura média no estado, o crescimento de uma unidade é bastante significativo para a decisão de gastar mais com campanhas na web.
Cabe ressaltar que os dados de despesas com internet nas prestações de contas dos candidatos não esgotam as estratégias digitais de campanhas. Como verificado e amplamente divulgado pela imprensa e por diversas pesquisas, muitas vezes, gastos com internet não são realizados diretamente pelas campanhas e passam ao largo da prestação de contas (12-14). Em 2018, por exemplo, houve o caso dos disparos em massa de mensagens pró Jair Bolsonaro, então candidato à presidência da República. Esses disparos foram pagos por empresários e não foram declarados como gastos de campanha. Em 2024, a campanha de Pablo Marçal à prefeitura de São Paulo, aparentemente, pagou seguidores para a realização de cortes que tivessem alto impacto (“viral”) na internet (15-16). Outra questão importante é a avaliação da relação entre total de seguidores, engajamento e votos (17).
Nos próximos relatórios abordaremos as características dos candidatos que mais utilizam esse tipo de despesa (1); e os efeitos das despesas com internet sobre o desempenho eleitoral (2).
Referências Bibliográficas
1 Allcott H, Gentzkow M. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives 2017;31:211–36. https://doi.org/10.1257/jep.31.2.211.
2 Entenda o Brexit e seus impactos em 8 perguntas. BBC News Brasil n.d.
3 Cambridge Analytica se declara culpada em caso de uso de dados do Facebook. G1. 2019. URL:
https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/01/09/cambridge-analytica-se-declara-culpada-por-uso-de-dados-do-facebook.ghtml (Accessed 8 October 2024).
4 Bori A. Uso de redes sociais para informação sobre política quase dobrou as chances de voto em Bolsonaro em 2018. Agência BORI 2022. URL:
https://abori.com.br/comunicacao/facebook-e-whatsapp-impulsionaram-as-chances-de-voto-em-bolsonaro-em-2018-mostra-pesquisa/ (Accessed 8 October 2024).
5 Eleições 2018: Como Bolsonaro superou a bolha radical na internet e terminou o 1o turno na liderança. BBC News Brasil n.d.
6 Feres Junior J, Schaefer BM, Barbabela E. Redefining the Communication Dynamics in Bolsonaro’s Brazil: Media Consumption and Political Preferences. Social Sciences 2024;13:245. https://doi.org/10.3390/socsci13050245.
7 Dahis R, Carabetta J, Scovino F, Israel F, Oliveira D. Data Basis (Base Dos Dados): Universalizing Access to High-Quality Data 2022. https://doi.org/10.2139/ssrn.4157813.
8 Sampaio D. CAMPANHAS TRADICIONAIS OU MODERNAS? Estratégias de gastos nas eleições municipais de 2016. Revista Brasileira de Ciências Sociais 2020.
9 Souza BM, Freitas ASKL. Eleições pós-web: os gastos com campanha online em destaque nas eleições municipais de 2020 no Brasil. Em Tese 2024;21:01–34. https://doi.org/10.5007/1806-5023.2024.e94415.
10 Speck BW, Mancuso WP. “Street fighters” e “media stars”: estratégias de campanha e sua eficácia nas eleições brasileiras de 2014. Cadernos Adenauer 2017.
11 A partir de hoje (9), partidos e candidatos devem enviar prestação parcial de contas à Justiça Eleitoral. Justiça Eleitoral. n.d. URL:
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Setembro/a-partir-de-hoje-9-partidos-e-candidatos-devem-enviar-prestacao-parcial-de-contas-a-justica-eleitoral (Accessed 8 October 2024).
12 Roncolato M. Um balanço da propaganda eleitoral paga na internet em 2018. InternetLab. 2019. URL:
https://internetlab.org.br/pt/noticias/um-balanco-da-propaganda-eleitoral-paga-na-internet-em-2018/ (Accessed 10 October 2024).
13 Bolsonaro culpa doadores por erros e diz que fez campanha barata. Folha de S.Paulo. 2018. URL:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/bolsonaro-culpa-doadores-por-erros-e-diz-que-fez-campanha-barata.shtml (Accessed 10 October 2024).
14 Jornalista que denunciou caixa 2 de Bolsonaro é | Direitos Humanos. n.d. URL:
https://www.brasildefato.com.br/2018/10/19/jornalista-que-denunciou-caixa-2-de-bolsonaro-e-alvo-de-ataques-nas-redes-sociais (Accessed 10 October 2024).
15 Empresa de Marçal pagou R$ 14 mil a influenciador em campeonato de cortes em abril. O Globo. 2024. URL:
https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/09/07/empresa-de-marcal-pagou-r-14-mil-a-influenciador-em-campeonato-de-cortes-em-abril.ghtml (Accessed 10 October 2024).
16 Jornal aponta novo indício de que Marçal fez pagamento irregular por ‘cortes’ durante a pré-campanha. Carta Capital 2024. URL:
https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/jornal-aponta-novo-indicio-de-que-marcal-fez-pagamento-irregular-por-cortes-durante-a-pre-campanha/ (Accessed 10 October 2024).
17 Influenciadores usam seguidores para alavancar campanhas e viram campeões de voto em SP, Rio, Manaus e Salvador. n.d. URL:
https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/10/08/influenciadores-usam-seguidores-para-alavancar-campanhas-e-viram-campeoes-de-voto-em-sp-rio-manaus-e-salvador.ghtml (Accessed 10 October 2024).
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